CARLOS VIEIRA
“Sem Contrários não há progressão. Atracção e Repulsão.
Razão e Energia. Amor e Ódio são necessários à existência Humana”.
Citação de William Blake in “O Casamento do Céu e do Inferno.”
Casa-se por amor, por paixão, por um momento de atração fatal ou após longos anos de namoro e noivado. Casa-se por vingança, por avidez estratégica de uma herança. Casa-se então por canibalismo oral. Casa-se por desespero de ficar só, na solidão desamparada, sozinho abandonado. Ainda hoje, casa-se para sair de casa, para se livrar da absoluta prisão domiciliar; ou nunca se casa para não deixar o conforto da proteção “emocional” e financeira da família. Ou também por medo de assumir a própria liberdade, autonomia, responsabilidade. Antigamente se casava para que a sociedade não pusesse dúvida na moral da família e da filha. Mulher que não casava poderia ser confundida com “mulher de vida fácil”. Se fosse homem, a dúvida era na homossexualidade. Casa-se como poderia dizer Nelson Rodrigues: para apanhar e para bater. Há pessoas que sentem necessidade de prazer na dor e na violência. O casal sadomasoquista brinca de bater e apanhar, e ao contrário do que se pensa, o masoquista ( tido como vítima ) é tão importante que o sádico não sabe viver sem ele. Logo, se “masoca” não é infelicidade, é ser tão importante na vida de alguém quanto o sádico. E digo mais, é tão poderoso também! Casa-se por ódio porque se foi traído no noivado. Casa-se para disputar um lugar no famoso triângulo edipiano. Casa-se com quem? Com o outro, enquanto outra pessoa, ou consigo mesmo na outra pessoa? Essa história de procurar a “alma gêmea” é um grande engodo que a outra é considerada. Nada, a pessoa está procurando “a parte perdida” para ser alguém completo. Então casa-se por puro egoísmo, narcisismo ou egocentrismo. Casa-se para ter alguém consigo, junto; às vezes não para compor uma parceria, mas para ficar protegido no outro e nada mais. Casa-se somente com sentimento de ternura e não com desejo sexual. A sexualidade às vezes está mais fora do casamento do que dentro. “Com o tempo tornaram-se irmãos” diz a voz do povo. E agora, como fica? Freud, sempre o velho Freud já dizia que “a ternura” fica em casa e a “sensualidade e sexualidade” ficam no amante. Quando o amante propõe casamento o circulo vicioso se repete. Os poetas do Parnaso e do Romantismo poetavam em prosa e verso que “em casa ficava a santa e na rua se procurava a puta”. Nesse momento lembrei de ter lido numa crônica de José Castelo – “Que estranho viver”( in Sábados Inqietos, Ed.Leya) a seguinte frase atribuída ao escritor português Antônio Lobo Antunes: “Ainda no fecho, o romance trepida: “Não sei se tenho casa, mas é a casa que regresso”. Então casa-se com a mãe, ou com o pai? Psicanalítico isso, ou realístico? Casa-se por paixão, a paixão prossegue por um tempo e depois há que se está casado por amor, caso contrário procura-se outra paixão. Vinicius de Moraes chega a dizer que era amante da paixão! Então não era o outro que importava, era a paixão. Casa-se como negócio, como ajustes financeiros de famílias com “as melhores das vontades”. Casa-se por contrato, bem contratado, caso contrário um ou outro abre falência. Casa-se hoje rápido demais? Outro dia ouvi de uma jovem:” eu vou casar logo para separar depressa, pois dizem que o melhor casamento é o segundo”. Casa-se homem com mulher; mulher com mulher; homem com homem. Cuidado porque daqui a pouco teremos casamento de menino com menina, ou menino com menino e menina com menina! Apocalíptico, não? Casam-se e serão felizes para sempre, ou é coisa de antigamente pois as pessoas não passavam dos cinquenta? Para sempre hoje, no mínimo são noventa anos! Casa-se sempre pensando no “grande amor”, ou na realização da fantasia de Dante procurando por toda a vida sua “Beatriz”. Na realidade casa-se com alguém que se acredita ser para sempre, ainda que não seja, pois parece que as pessoas querem se reassegurar que jamais possam ser abandonadas. É uma ficção necessária, nem sempre realizada. Há um conto fantástico do nosso escritor Arthur Azevedo que se chama: “Sabina” e tem como subtítulo: ”Como ridículas artimanhas masculinas sucumbem à invencível argúcia feminina”. Tal conto, que não contarei, e sim convidarei para que comprem, imperdível, está no livro “Contos de Arthur Azevedo: os “efêmeros” e inéditos, Editora PUC-Rio e Edições Loyola. Casa-se de todo modo, enfim se casa para se casar pois o casamento é diário, é um exercício de tolerância às diferenças e cuidado constante com as qualidades de cada um. Numa de suas conferências no Brasil, o psicanalista indiano-inglês W.R.Bion escreveu algo assim: duas pessoas se conhecem, namoram, noivam e casam. Aí começam os conflitos normais da dinâmica de qualquer casal, e eles precisam desenvolver capacidade psíquica, emocional para sempre estarem se casando, dia a dia, como se fosse o último. O eterno e o para sempre são eternos enquanto duram, cantava Vinicius de Moraes. Então, casa-se pelos contrários na escrita de Blake, citado acima, pois “sem contrários não há progressão”. Casa-se em casa (quem casa quer casa), casa-se na beira do lago, no clube, na igreja, na sinagoga. Casa-se de branco! Nunca vi ninguém casar de preto. Será preconceito com a cor, associação com morte, ou será que ninguém vê beleza do preto? Seria interessante se casar de branco e preto, por que não? Casa-se, casa-se também com a poesia, com arte, com a música, com a literatura. Somos casados com nossos “brinquedos de adultos” porque casar é criatividade, é um permanente exercício de improvisação: às vezes a música demora muito tempo; às vezes a melodia se encerra após alguns compassos, e aí o improviso morre. Pode-se casar novamente! Na vida temos vários casamentos e o casamento entre uma mulher e um homem requer respeito aos outros casamentos dos dois. Ninguém minha vida, a pessoa faz parte da minha vida, caso contrário qualquer casamento seria uma morte. Casa-se para ter poder e, de repente se perde o poder. Casa-se quem sabe, o homem é um animal social mesmo que tenha direito de áreas de “autismo normal”. Os indígenas criam reservas, os civilizados odeiam reservas e invadem a privacidade do parceiro. Casar é estar “juntos-separados”.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
Nenhum comentário:
Postar um comentário