sábado, 7 de setembro de 2013

Oscar Schmidt, o maior jogador de basquete da história do Brasil: “Esse tumorzinho pegou o cara errado”


"Faço um tratamento espírita. Sou católico, nunca havia pisado em um centro, mas sempre fui simpático a esse tipo de fé. É tudo de Deus, não é mesmo? (Foto: Alexandre Schneider)
"Faço um tratamento espírita. Sou católico, nunca havia pisado em um centro, mas sempre fui simpático a esse tipo de fé. É tudo de Deus, não é mesmo? (Foto: Alexandre Schneider)
Entrevista concedida a Alexandre Salvador, publicada em edição impressa de VEJA
Na véspera de entrar para o Hall da Fama do basquete, o Mão Santa enfrenta um câncer no cérebro com humor e admite conversar com seu médico sobre o uso de curas milagrosas

Oscar Schmidt receberá nos Estados Unidos neste domingo a maior honraria que um jogador de basquete pode almejar. O brasileiro, de 55 anos, até hoje o maior pontuador da história do esporte, com 49.737 pontos, terá seu nome imortalizadopelo Hall da Fama do Memorial Naismith, em Springfeld, cidade do estado de Massachusetts onde o basquete foi inventado, em 1891.
[Só por comparação, um dos maiores jogadores da história do basquete e o maior cestinha da NBA, a fabulosa liga dos Estados Unidos -- o americano Kareem Abdul-Jabbar --, fez 38.387 pontos em 20 anos de carreira.]
O nome da instituição é uma homenagem ao criador da modalidade, o canadense James Naismith.
Em uma infeliz coincidência, a inclusão no Hall da Fama foi confrmada no mesmo período em que o ex-jogador descobriu não estar curado de um câncer descoberto há dois anos. Desde 2011 Oscar luta contra um glioma, um tumor localizado no lado esquerdo da parte frontal do cérebro.
Mesmo depois de duas cirurgias, que lhe deixaram uma enorme cicatriz na cabeça (sempre escondida por um boné ou chapéu), o Mão Santa não perde o atávico sorriso. A VEJA, ele falou do câncer, de esporte e de política.
Como foi receber o diagnóstico de que o tumor havia voltado, logo depois de saber da indicação para o Hall da Fama?
Desde que operei o primeiro tumor, há dois anos, já sabia que ele voltaria. Não sabia quando, mas a evolução era uma certeza. É a característica do tumor que tenho.
Pressentia que havia algo errado desde novembro do ano passado, quando fiz uma ressonância magnética e apareceu uma manchinha. O médico disse: “Vamos esperar para ver se cresce, se sim, teremos de abrir sua cabeça de novo”. Dito e feito.
Papa Francisco abençoa o atleta Oscar Schmidt (Foto: Reprodução GloboNews)
Oscar, o maior cestinha da história das Olimpíadas, revencia o papa Franciso durante sua visita ao Brasil (Foto: Reprodução GloboNews)
E o que você fez?
Fiz outra cirurgia para a retirada do novo tumor. Depois, trinta sessões de radioterapia e 45 de quimioterapia. Tenho de manter mensalmente a químio.
Mas não fquei só no tratamento convencional, não. Recebi centenas de curas milagrosas por e-mail, mais de 200 sugestões. A mais recorrente foi uma por inalação de álcool perílico.
Várias pessoas disseram que haviam feito regredir tumores malignos na cabeça com a ajuda desse tratamento. Como meu médico, excelente, não se opôs, estou fazendo as inalações três vezes ao dia.
Também estou dando mais chances para o homem lá de cima me ajudar.
Como?
Faço um tratamento espírita. Passei a frequentar um centro em Campinas (cidade a 100 quilômetros de São Paulo) todas as segundas-feiras, onde recebo energizações e tomo líquidos à base de ervas.
Sou católico, nunca havia pisado em um centro, mas sempre fui simpático a esse tipo de fé.
É tudo de Deus, não é mesmo?
Tem medo de morrer?
Claro que tenho. Mas qual o problema nisso? Vou me abalar?
Minha vida foi muito bonita e extraordinária. Maior do que pensei que poderia ser. Claro, se isso acontecer vai ser uma tristeza enorme, principalmente por deixar minha família.
Mas esse dia vai demorar a chegar. Não pense em besteira, nada de morte, não, porque esse tumorzinho pegou o cara errado.
Vejo o câncer como mais um degrau. Sei que tenho uma doença grave que estou tratando como se fosse a coisa mais difícil que já apareceu na minha vida. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para me curar.
Medo da doença eu não tenho. Arranquei fora, estou tratando. O que mais posso fazer?
Chorar de raiva?
Não, pelo amor de Deus! Soltei um palavrão quando descobri que era maligno, e só.
Mas você é conhecido como chorão…
Chorei poucas vezes na minha vida, não vem com essa. [risos] Na quadra, é diferente. A intensidade do jogo é muito forte. Por isso, quando você ganha ou perde uma partida, o choro vem. Não tem jeito.
Além disso, agora que o próprio papa me abençoou, estou tranquilo. Se esse câncer não for curado assim, com tanta ajuda, não será nunca mais.
E como foi o encontro com Francisco?
Um mês antes de o papa vir ao Brasil, fui convidado pela Prefeitura do Rio para participar da cerimônia de bênção da bandeira olímpica.
Antes dela, algumas personalidades do esporte teriam a oportunidade de cumprimentá-lo. Perguntaram-me se tinha vontade de ir. Respondi que sim, obviamente, e pedi para levar minha família. Eles disseram que não haveria problema, afinal eu estava passando por um momento muito especial.
Durante o encontro não pensei nem um pouquinho no meu tumor. Fiquei emocionado só de ver Francisco assim, tão de perto.
A conversa foi boa?
Disse apenas que estava rezando por ele. E ele me respondeu: “Gracias”.
Para um católico, ser abençoado pelo papa é a maior emoção que se pode ter. Saí de lá me sentindo curado. Foi uma experiência muito bonita.
Imagine, ele é o argentino mais humilde que já conheci. Nunca pensei que teríamos um papa melhor que o João Paulo II. Veja só os riscos que ele corre ao andar por aí sem proteção. Acho que ganhamos uns 10% de católicos só com essa visita ao Brasil.
Esse apego à religião era grande assim no tempo de jogador?
Meu negócio era concentração. Você lembra quando o Ayrton Senna disse ter falado com Deus durante uma corrida? Então, também senti isso em quadra. Falei demais com ele.
Mas não é uma troca de palavras, é um estado de concentração máxima, e não acontece quando você quer, ele apenas chega. Parece que o jogo está em câmara lenta, tudo em volta fca em silêncio, e você está ali no meio comandando o jogo, sabe exatamente o que vai acontecer.
"Mão Santa é o caramba! É mão treinada!" (Foto: O Globo)
"Mão Santa é o caramba! É mão treinada!" (Foto: O Globo)
E aí despontava o Mão Santa, como você ficou conhecido pela excelência no arremesso de 3 pontos…
Mão Santa é o caramba! É mão treinada! Acho que ninguém treinou tanto quanto eu treinei. Você nunca pode achar que foi o suficiente, se parar, o negócio regride.
Além dos dois treinos por dia, dava mais 1.000 arremessos, sem folga nem nos fins de semana. Só saía da quadra depois de acertar vinte cestas seguidas. No total, acho que dava umas oito horas diárias de treino. Meus números, e minha taxa de acerto, foram fruto disso.
As pessoas vinham me falar: “Poxa, Oscar, você nasceu para jogar basquete, não é mesmo?”. Eu rebatia: “Que bom. Se tivesse nascido na época de Jesus Cristo, o que faria da vida?”.
Quem é o melhor que você viu jogar?
Tem quatro caras que considero fora de série: Michael Jordan, Magic Johnson, Kobe Bryant e, agora, o LeBron James. mas o meu ídolo, e por isso o jogador que considero o melhor de todos, é o Larry Bird. Ele não corria, não pulava e jogava mais que todo mundo. Era extraordinário. Meu estilo de jogo se parecia com o dele, por isso a admiração.
Ainda bem que em 1992, na Olimpíada de Barcelona, pudemos jogar um contra o outro. Não podia acabar minha carreira sem ter cruzado com o Larry em quadra. E é ele quem vai me apresentar no Hall da Fama.
O que você pensa sobre o Brasil sediar a Olimpíada de 2016?
Meu sonho era jogar uma Olimpíada no Brasil. Fiquei muito feliz quando fomos escolhidos. E, sinceramente, não acho que é essencial ter um projeto esportivo vitorioso para receber a Olimpíada. Se o Brasil souber organizar direito, como eu acho que vai, muitas coisas ficarão para sempre na nossa sociedade, como foi em Barcelona.
Aeroportos, transporte, segurança. As UPPs estão sendo instaladas muito por conta disso, para o Rio poder sediar a Copa e os Jogos Olímpicos. Se não tivéssemos a oportunidade de receber esses eventos, nada mudaria.
E quanto ao legado esportivo?
Posso falar? Vai ser pequeno. Pegue o basquete, por exemplo. Deveríamos ter um aumento de patrocínio para a modalidade, mas tivemos corte. O esporte volta depois de dezesseis anos à Olimpíada, como aconteceu em Londres, e os caras reduzem o patrocínio.
E aproveitam para pôr muito dinheiro público nas obras…
Mas aí é outra história. Se tudo ficasse dentro do orçamento, não teríamos esse problema. A questão é que o valor dobra, essa é a grande raiva. O Brasil vive hoje um momento único de manifestações muito por causa dos gastos públicos. Não são só os 20 centavos, como o pessoal diz, não é?
Ainda bem que o prefeito Fernando Haddad disse “não” ao aumento inicialmente. Isso fez o gigante acordar. Senti vontade de ir para a rua. Nunca se aprovou tanta coisa no Congresso quanto agora. A popularidade dos políticos despencou. Tem coisa pior para um político que o povo na rua cobrando? Tirando os vândalos que se aproveitaram para saquear, claro. Esses caras não estão se manifestando, e deveriam ser presos.
Você sairia novamente como candidato ao Senado (em 1998, Oscar se candidatou em São Paulo pelo antigo PPB, de Paulo Maluf)?
Queria ser presidente da República. Sou patriota, e tive minha chance, do Senado à Presidência é um pulo. Tive uma votação esplêndida e quase ganhei do Suplicy. Na época fiquei triste, mas hoje, sabendo como são as coisas, posso dizer que foi bom não ter sido eleito.
A única vez em que votei em uma pessoa honesta foi em mim. Quem tem algo a perder não entre nessa. É o que recomendo.
O poder vicia?
Qualquer perpetuação de poder é deplorável. O argumento do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, para permanecer no cargo é bom. Ele diz que nunca o esporte brasileiro teve tanto apoio ou tantas conquistas.
Tudo bem, mas é ele quem entra em quadra?
Não. A renovação é positiva. A democracia é assim. O jeito como está sendo feito no Brasil é uma ditadura, e isso cria um vício. Todos os presidentes de confederação querem ser como ele.
Se você soubesse como são feitas uma eleição de confederação ou uma aprovação de contas, ficaria de cabelo em pé.
Como são feitas?
Não vou dizer, porque senão vou preso. Alguém vai se levantar para contestar algo, correndo o risco de perder a boquinha?
O vôlei ser o segundo esporte do Brasil é uma vergonha. É o único país do mundo assim. Uma modalidade em que se joga oito meses do ano com a seleção. Todo ano tem Liga Mundial. É muito campeonato.
Brasileiro adora ver a seleção ganhar, por isso o vôlei foi crescendo, mas tiraram, desse jeito, um monte de jogadores do basquete, atletas altíssimos, com futuro, que foram para o vôlei.
"Tem muita coisa ruim no esporte. Vi pessoas se dopando .. VEja o caso do Lance Armstrong. Uma farsa total" (Foto: James Startt / AFP)
"Tem muita coisa ruim no esporte. Vi pessoas se dopando .. VEja o caso do Lance Armstrong. Uma farsa total" (Foto: James Startt / AFP)
O esporte, do ponto de vista de quem está fora das quadras, é agradável?
Sim, mas tem muita coisa ruim também, não é segredo. Vi pessoas se dopando no basquete, tomando substâncias para cavalo. A minha sorte é que no basquete não é melhor jogador aquele que se dopa. O cara ainda tem de meter a bola na cesta. Mas, em outros esportes, em que o desempenho físico exerce uma interferência maior no resultado, isso é uma vergonha.
Veja o caso do Lance Armstrong. Uma farsa total, E existem piores: aqueles que tomam furosemida para mascarar o doping, ou que perdem jogo de seleção de propósito. A seleção de basquete da Espanha perdeu para o Brasil em Londres para escolher adversário. Imagine isso na Copa do Mundo de futebol.
Vamos perder para Moçambique porque não queremos pegar a Argentina ou a Itália? Ser campeão mundial assim não vale.
O que representa sua entrada no Hall da Fama?
É uma emoção que se compara à que senti em Indianápolis. Na minha opinião, o Pan de 1987 foi a conquista mais importante do basquete brasileiro. De 1985 a 1988, tivemos a melhor fase da minha geração.
Ninguém acreditava na gente, nem mesmo o nosso time. Tínhamos um medo enorme de perder de mais de 50 pontos dos americanos. Pensávamos: “Como é que nós vamos ganhar dos caras na casa deles?”.
Ficamos três meses concentrados, fazendo amistosos contra outras equipes americanas antes da competição. Foi por isso que ganhamos, pois o treinamento é a parte mais decisiva do esporte. Todo 23 de agosto, dia da final, eu me lembro do Pan.
Ganhar o mundial Interclubes pelo Sírio foi bom, jogar uma partida profissional com meu filho, também, mas nada se iguala àquela vitória. Não se igualava, né? Agora, com o Hall da Fama, é outra história.

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