quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Razões humanitárias, por Mara Bergamaschi


Além de serem assuntos polêmicos da semana, o que há em comum entre a chegada dos médicos cubanos e do senador boliviano ao Brasil? Razões humanitárias, alegadas nos dos dois episódios. Vamos começar pelo Ministério da Saúde; ao final passaremos ao das Relações Exteriores.
É a “primazia do bem da vida sobre todos os demais interesses” - como escreveu o juiz de Minas, João Batista Ribeiro, ao negar liminar ao Conselho Regional de Medicina (CRM) contra o Programa Mais Médicos -, que deixa o governo confortável diante dos críticos à contratação de estrangeiros.
Como se opor, como destacou o juiz, ao fato de “a população carente e marginalizada poder dispor, pela primeira vez, de assistência médica, nos mais variados rincões do País, podendo prolongar suas expectativas de vida?” Seria desumano, não é mesmo?
Esse é o argumento, também explorado por Brasil e Cuba, que precede e supera todos os demais, facilitando o marketing político. E é isso que os nossos doutores, talvez por terem a morte como fiel escudeira nos depauperados hospitais públicos, ignoram em sua guerra corporativa.
O que temos de saber é se a empreitada vai dar certo para os estrangeiros, em sua maioria cubanos propagandistas de uma “medicina do oprimido”, e para a população brasileira mais vulnerável. Para os governantes de ambos já deu.
São evidentes os potenciais ganhos eleitorais em 2014 para a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, e para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que deverá disputar o governo de São Paulo.
Com a papelada pronta em tempo recorde, Cuba, por sua vez, receberá logo do Brasil mais de R$ 500 milhões. Um gasto suportável no orçamento da União de 2013. Até 18 de agosto, foram gastos R$ 47 bilhões (de um total de R$ 100 bilhões) com o Ministério da Saúde e R$ 37 bilhões com o da Educação – mesmo valor desembolsado com o Desenvolvimento Social.


Itamaraty - Foi também por razões humanitárias – não reconhecidas por uma irada Dilma - que o diplomata Eduardo Saboia disse ter organizado, sem consulta ao Itamaraty, a fuga para o Brasil do senador boliviano Roger Pinto, asilado há 15 meses na embaixada brasileira em La Paz.
O diplomata, que é filho do ex-embaixador em Haia e na ONU Gilberto Saboia, afirmou que o senador, desafeto de Evo Morales, estava deprimido com o confinamento e ameaçava-se suicidar.
Saboia, agora processado por quebra de hierarquia, disse ainda que, ao agir em defesa de uma vida, cumpriu seu dever ético e funcional. Sua atitude insurgente custou o cargo do chanceler Antônio Patriota. E mostrou que presidente não é rei – como parecem pensar os ocupantes do Palácio do Planalto.

Mara Bergamaschi é jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras “Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte” (romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010). Escreve aqui às quintas-feiras.

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