quarta-feira, 28 de agosto de 2013

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Escuro-Claro


CARLOS VIEIRA
Um dia a coluna de sangue não sofrerá mais a turbulência 
Do coração que parou. 
Um dia o canto da “fogo pago” não mais será ouvido ao anunciar 
A alvorada. 
Um dia as lágrimas não passearão jamais pelas orbitas e faces, 
Um dia não me amedrontarei com a melodia fúnebre da angustia, 
Um dia um livro não será mais lido, o poeta não provocará 
Alumbramentos. 
Um dia o encanto daquela mulher ficou “encantado” na não vida, 
Um dia não poderei repetir Vinícius: porque hoje é sábado! 
Nem Whitman, nem Borges, nem Graciliano, nem tampouco 
Guimarães, o Rosa, poderei lê-los, 
Quem sabe os encontro no Paraíso Dantesco de Beatriz! 
Um dia o clarinete ficará mudo, piano nem pensar, o jazz parou 
No Blues. 
Um dia, um dia, dias destes, não terei mais o desprazer e o ódio, 
Das promessas dos políticos! 
Um dia não terei saudades, há quem possa tê-la de mim, 
Nesse dia eu ouvirei a melodia nos Céus, a melodia da saudade 
Dos nossos encontros. 
Um dia não haverá mais como saborear um machiatto, todo o açúcar 
Saiu do corpo e se fez mel. 
Um certo dia tu ouvirás o eco das minhas palavras; os poemas na internet; 
A voz rouca dos improvisos das minhas aulas. 
Um dia o Capelense será campeão e o Brasil não mais terá analfabetos, 
Os professores serão pagos tanto quanto os “neymares”, o médico fará 
Clínica e apalpará o corpo e a alma dos seus pacientes. 
Um dia haverá mais análise, mais análises, 
Mas comigo, somente a lembrança das minhas análises.
Um dia é hoje, hoje o dia, o passado presentificado, a causa do futuro! 
Hoje, hoje posso dormir, sonhar, acordar e ouvir o canto da “fogo-pagô. 
Hoje é dia de vida, de se viver vivendo pelas veredas dos sertões da própria vida. 
Hoje posso enxergar os livros nas estantes; os livros são mortos enquanto enfileirados, 
Os livros ressuscitam quando eu os pego para deliciá-los na leitura. 
Enquanto mortos nas estantes, refugiados em fileiras 
São a cultura em estado de repouso, em silêncios gravídicos. 
Hoje posso reler Mia Couto, Bandeira, Drummond, Helena Terra: 
“A condição indestrutível de ter sido”. 
Hoje posso sonhar os sonhos nem sempre cálidos e deliciosos de Clarice, a Lispector, 
A envergadura de poemas fortes de Affonso Romano sobre a ditadura militar. 
Hoje é sexta, porque amanhã será sábado, e sábado será o presente do futuro. 
Hoje é dor também, alegria faz o conjunto,” deus e o diabo na terra do sol”, 
Os contrários sim, os contrários constroem a vida na pena de Blake. 
O que seria da alma sem a parceria do diabo? Paraíso! 
Hoje é vida, estou vivo! A Esperança é o devir.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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