CARLOS VIEIRA
Gritos, sussurros e agonia. Vinte e duas horas, embaixo de um viaduto, Maria ecoa um clamor de ajuda. Seu útero não espera, se contrai e movimenta o feto para fora. Outros gritos, agudíssimos, atingindo uma sonoridade do registro agudo de um clarinete, em dó quatro, o mais agudo que o instrumento consegue. Automóveis passam na avenida, ninguém enxerga nem ouve a urgência de um parto a acontecer. Mais gritos e por fim alguém aparece. Maria geme, chora, berra, pede para ser atendida, e que a leve para alguma maternidade. O jovem com extrema dificuldade a coloca no carro. Ato contínuo, não há vagas no hospital. As contrações uterinas, a criança lá dentro quase soterrada, a força do músculo, os berros da mãe, o sangue. Começa a hemorragia. O rapaz não sabe o que fazer; Maria pede pelo amor de Deus que faça o parto. Mais outro hospital: Maria é carregada para o corredor, a criança se introduz no mundo, nasce, e Maria desmaia. A criança é salva e Maria morre. Segundo os médicos a causa da morte foi hemorragia uterina e choque(?).
“Este é tempo de divisas,/ tempo de gente cortada./ De mãos viajando sem braços,/ obscenos gestos avulsos”, escreve Carlos Drummond em seu poema “Nosso Tempo”.
O menino é pequeno, magro, magro não, raquítico. Raquítico, tossindo com sonoridade estridente, o baço e o fígado aumentados. Verminose, endemia de verminoses múltiplas. Bactérias, bactérias, sempre presentes nos alimentos, na água de beber. Diarreias profusas, desidratações, anemias, às vezes morte. O palco é uma cidade do Nordeste. Uma cidade onde óbitos acontecem por condições precárias de saúde e alimentação. Educação? João Antônio e seus seis amigos ainda não sabem ler. Analfabetos, como se diz, de pai e mãe.
“Calo-me, espero, decifro./ As coisas talvez melhorem./ São fortes as coisas!/ Mas eu não sou as coisas e me revolto./ Tenho palavras em mim buscando canal,/ são roucas e duras,/ irritadas, enérgicas,/ comprimidas há tanto tempo,/ perderam o sentido, apenas querem explodir.”, continua o Poeta em seus versos de Nosso Tempo.
Odete, professora primária, vinte e sete anos de magistério numa cidade do interior das Minas Gerais. Salário? Trezentos e cinquenta reais. Um jogador de futebol vale mais do que um professor? A educação sempre foi temida porque ela ensina, esclarece, politiza, informa, acultura e faz gerar conflitos sadios no sentido do crescimento individual e social.
“Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos/ para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,/ dores de classe, de sangrenta fúria?/ e plácido rosto. E há mínimos/ bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,/ lesões que nenhum governo autoriza,/ não obstante doem,/ melancolias insubornáveis,/ ira, reprovação, desgosto...” , volta a cantar o Poeta Gauche.
Saiu de casa pela manhã. Antônio ia para a escola. Na esquina, um tiroteio, gente pra lá, gente correndo em todos os sentidos, balas perdidas, balas assassinas atingem Antônio. Ferido, gritaram:” Não, já está morto, aos 16 anos de idade”. No outro dia, sua mãe aos gritos pedia justiça, segurança, civilidade. Um enterro a mais entre vários velórios, consequência de balas perdidas, de perdidas seguranças.
“Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para onde?”, fragmentos de poesia, ainda do nosso Drummond – “José”.
“Este é tempo de divisas,/ tempo de gente cortada./ De mãos viajando sem braços,/ obscenos gestos avulsos”, escreve Carlos Drummond em seu poema “Nosso Tempo”.
O menino é pequeno, magro, magro não, raquítico. Raquítico, tossindo com sonoridade estridente, o baço e o fígado aumentados. Verminose, endemia de verminoses múltiplas. Bactérias, bactérias, sempre presentes nos alimentos, na água de beber. Diarreias profusas, desidratações, anemias, às vezes morte. O palco é uma cidade do Nordeste. Uma cidade onde óbitos acontecem por condições precárias de saúde e alimentação. Educação? João Antônio e seus seis amigos ainda não sabem ler. Analfabetos, como se diz, de pai e mãe.
“Calo-me, espero, decifro./ As coisas talvez melhorem./ São fortes as coisas!/ Mas eu não sou as coisas e me revolto./ Tenho palavras em mim buscando canal,/ são roucas e duras,/ irritadas, enérgicas,/ comprimidas há tanto tempo,/ perderam o sentido, apenas querem explodir.”, continua o Poeta em seus versos de Nosso Tempo.
Odete, professora primária, vinte e sete anos de magistério numa cidade do interior das Minas Gerais. Salário? Trezentos e cinquenta reais. Um jogador de futebol vale mais do que um professor? A educação sempre foi temida porque ela ensina, esclarece, politiza, informa, acultura e faz gerar conflitos sadios no sentido do crescimento individual e social.
“Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos/ para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,/ dores de classe, de sangrenta fúria?/ e plácido rosto. E há mínimos/ bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,/ lesões que nenhum governo autoriza,/ não obstante doem,/ melancolias insubornáveis,/ ira, reprovação, desgosto...” , volta a cantar o Poeta Gauche.
Saiu de casa pela manhã. Antônio ia para a escola. Na esquina, um tiroteio, gente pra lá, gente correndo em todos os sentidos, balas perdidas, balas assassinas atingem Antônio. Ferido, gritaram:” Não, já está morto, aos 16 anos de idade”. No outro dia, sua mãe aos gritos pedia justiça, segurança, civilidade. Um enterro a mais entre vários velórios, consequência de balas perdidas, de perdidas seguranças.
“Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para onde?”, fragmentos de poesia, ainda do nosso Drummond – “José”.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
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