sexta-feira, 10 de maio de 2013

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Poesia e Psicanálise



CARLOS VIEIRA
Relendo um ensaio de Jorge Luis Borges sobre a poesia, um belo ensaio belo no volume III das suas Obras Completas, “O Livro das Sete Noites”, 1980, veio-me a ideia de associar poesia e psicanálise, como ajuda ao método de observação de fenômenos inconscientes. A poesia é linguagem, a poesia é a expressão metafórica do que observa o poeta quando intui a realidade psíquica e a realidade externa dos fatos. 
Há um momento da escrita de Borges que é para mim novo, intrigante e pertinente. O pensador, o poeta, o contista, o tudo que a Argentina produziu de bom e se espraiou no mundo levado pelas ondas das bibliotecas, livrarias, aulas e conferências. Borges virou mundano, do mundo, os pampas são espaços modestos para conter o Tigre. Escreve o poeta: “a poesia é o encontro do leitor com o livro, a descoberta do livro”. A poesia só é poesia no social, na apreensão de alguém que lhe dá sentido, na apreensão pela capacidade estética... “Bradley disse que um dos efeitos da poesia deve ser dar-nos a impressão não de descobrir o novo, mas de reencontrar algo esquecido... se uma história não os leva ao desejo de saber o que aconteceu depois, o autor não escreveu para vocês.” Curioso, uma certa ocasião li de um Maestro mexicano: para uma obra ser artística se faz mister ser comunicada a outrem. Poesia por poesia, música por música deve apontar para alguma encrenca masturbatória, imagino, e não uma arte que como toda arte é social. 
Tomando uma carona nas inferências e apreensões borgianas, lembro-me da psicanálise. Assim como um poeta, e principalmente um leitor de poesia, é inadmissível imaginar um analista sem capacidade estética, sem sofisticação simbólica de pensamento. O que escuta um Analista? Escutamos histórias, ouvimos “romances familiares” não infrequentemente narrados com matizes poéticas, vivenciados e transformados numa linguagem literária de tonalidade poética. A poesia da linguagem e expressividade dos analisandos é declamada ao seu Analista, definitivamente. Compete a este, o Analista, desenvolver capacidade estética para dar a poética do analisando o estatuto de poesia: apreensão do inaudível, do inefável e do inconsciente. Bela contribuição de Borges nesse momento que arisco extrair algo para subsidiar o pensamento psicanalítico. 
Ainda pensando na contribuição que um escritor, poeta, um Artista, pode dar a nós, psicanalistas, surpreendi-me com o autor tendo o cuidado de dar algumas táticas suas de dar aulas, de ensinar, de “ensinar a ler poesia”. “Eu acredito que sinto a poesia e acredito que não a ensinei; não ensinei o amor a este ou aquele texto: ensinei meus alunos a amar a Literatura, a ver na Literatura uma forma de felicidade”. Ato contínuo, ainda que seja realmente controverso ensinar psicanálise, sinto-me à vontade de expressar que mais do que dar aulas acadêmicas, ensinar é um ato de experiência vivida a dois ou na relação de grupalidade; ensinar é aprender na experiência como queria o nosso querido Paulo Freire. Como ensinar alguém a abstrair da aparência de um texto? Um texto de psicanálise é uma comunicação sobre a nossa mente, que tal ou qual autor captou, elaborou e comunicou assim como a apreensão dos poetas. Na minha experiência de ensino, tenho me habituado a ler o texto com os alunos como quem lê poesia, um conto, um trecho de romance ou de uma peça de teatro. Procuro criar um clima emocional, provoco algo psicodramático, ás vezes “analítico”. Ler, ser lido é algo que se passa pela orla da inconsciência e elaboração onírica. Na poesia também, a disciplina é ler, ler, reler, reler e repousa sobre o texto com uma atenção diferente, uma atenção sem intenção de saber.
Deixo você, querido leitor, com a metáfora borgiana:
O Espelho
Quando menino, eu temia que o espelho 
Me mostrasse outro rosto ou uma cega 
Máscara impessoal que ocultaria 
Algo na certa atroz. Temi também 
Que o silencioso tempo do espelho 
Se desviasse do curso cotidiano 
Dos horários do homem e hospedasse 
Em seu vago imaginário 
Seres e formas e matizes novos. 
(Não disse isso a ninguém, menino tímido) 
Agora temo que o espelho encerre 
O verdadeiro rosto de minha alma, 
Lastimada de sombras e de culpas, 
O que Deus vê e talvez vejam os homens.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

Nenhum comentário:

Postar um comentário