
“Não estão mortas nem vivas. Estão desaparecidas”, disse uma vez o ex-ditador, quando indagado sobre as milhares de pessoas que sumiam na calada da noite na Argentina controlada pela junta militar que ele liderou de 1976 a 1981.
“Zumbis” de um planeta etéreo sonhado pelo tirano, 30 mil nem vivos nem mortos são “perdas colaterais” e peças de uma engrenagem criada por Videla, em uma máquina azeitada em sangue para combater o “terrorismo”.
Videla via a Argentina de um bunker em sua guerra particular contra a subversão. “Como em toda guerra, tem pessoas que sobrevivem, outras que ficam deficientes físicos, outros morrem e desaparecem”, costumava pregar o ditador.
Videla faleceu às 08h25 de ontem na prisão, depois de se recusar a jantar, de morte natural, cumprindo prisão perpétua por crimes contra a humanidade. No ano passado, Videla foi condenado a 50 anos pelas atrocidades cometidas por seu regime.

Cena do filme de 1940 “O Grande Ditador”. Videla, como tantos outros ditadores conhecidos da história, instaurou uma violenta máquina de ódio e repressão.
Como foi o caso com a ex- primeira ministra britânica Margaret Thatcher, na lista negra argentina pela guerra das Malvinas, a reação à morte do ditador também causou contenda. Por um lado, muita gente diz não parecer correto celebrar um falecimento; por outro, muitos não puderam conter o júbilo. Celebrar ou não a morte de figuras nefastas para o país não é assunto de hoje.
A intelectual Beatriz Sarlo se perguntava em seu livro “La pasión y la excepción” o motivo pelo qual ela e colegas festejaram o assassinato do líder da ditadura Aramburu, imolado pela resistência ao regime formada pelo grupo“montoneros”.
O passado é inexorável, irreparável, mas a postura diante dele parece ainda causar controvérsia. “A morte deste homem nos deixa aliviados”, disse a titular das Abuelas de Mayo, Estela Carlotto. “A morte não deve alegrar ninguém”, afirmou o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel.
Na verdade, se há algo a celebrar, está no fato de que Videla não gozava de sua liberdade quando desencarnou de um mundo que ficou pior depois de sua presença. Morreu julgado e condenado.
“O Estado não deveria celebrar a morte de ninguém e sim consagrar que houve justiça”, explicou o Secretário de Direitos Humanos do país, Martín Fresneda.
Quantos repressores ainda morrerão em camas quentinhas de pura velhice e em pleno gozo de suas liberdades?
Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. Escreve aqui todos os sábados.
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