O telefone chama de São Paulo. Depois do terceiro toque, hábito antigo, atendo em Salvador. Na outra ponta da linha, entre as duas capitais envoltas igualmente em dúvidas, polêmicas e expectativas quanto à votação deste domingo (7) (acentuadas pelos resultados, para todos os gostos, embutidos nas pesquisas de intenção de voto para prefeito, colhidos pelos diferentes institutos).
Cidades igualmente complexas e emblemáticas em suas semelhanças e dessemelhanças, na distância entre o Sudeste e o Nordeste.
“E aí, como vai”, escuto de saída, sem conseguir identificar direito no primeiro momento se é uma pergunta ou um jeito pessoal do interlocutor de procurar conversa. Ou as duas coisas, ao mesmo tempo?
A voz, no entanto, é inconfundível . Chega aos ouvidos com tom e sotaque que revelam e sintetizam, ao mesmo tempo, o forte traço de ligação e identificação da pessoa que fala com a Bahia e São Paulo, apesar de tanta estrada e tanto mar entre as duas regiões do país.
E por mais que persistam, ainda submersos e intocáveis, vários traços de divergências e contrastes entre uma e outra cidade. Para o bem e para o mal, é bom esclarecer.
Estou na linha com o jornalista Bob Fernandes, voz e jeito que conheço há décadas. Desde que ele, recém formado na Escola de Comunicação da UFBA, começava a estagiar na Sucursal do Jornal do Brasil (depois de passar pela equipe pioneira da Radio JB-FM Salvador), cuja redação eu então chefiava na Bahia. Na chefia da sucursal, o jornalista Florisvaldo Mattos.
Primeiro na central Rua Chile, por onde transitavam os grandes personagens e quase todos os "ruídos" (como dizia o saudoso editor nacional do JB, Juarez Bahia) e fatos políticos, econômicos e sociais mais relevantes - jornalisticamente falando.
Depois em Pernambués, onde Bob começou, na vizinhança bucólica do Cabula, bairro das mangueiras e pés de laranjas de frutos mais doces e famosos naquele tempo em Salvador.
Tem sido assim desde então. Por maior ou menor que seja a distância a separar as duas pontas da ligação. Em Sampa ou Nova Iorque, em Londres ou na China. Com maior ou menor intensidade, mas sempre. Em tempos promissores ou temerários. Às vezes o telefone toca de manhã. Outras, de tarde. Algumas vezes já soou em plena madrugada.
Mania herdada pelos dois, do tipo e da qualidade do jornalismo que então se fazia no JB, onde "checar uma informação" era sagrado, quase tanto quanto o próprio fato. Em nome dessa sacralidade, qualquer profissional, político, empresário ou governante podia ser tirado da cama a qualquer hora da noite.
Em ocasiões a chamada telefônica se dá pela simples vontade mútua de conversar, falar de jornalismo, dos fatos da vez – das eleições, do julgamento no STF, do Bahêêaou do Vitória, do Santos, da saúde, da vida. Ou para trocar impressões, informações, afetos, divergências. Sim, porque divergir é básico e salutar, no jornalismo como nas amizades.
Desta vez não é diferente. Falamos da complicada eleição paulistana e soteropolitana, mas, principalmente, da cobertura na imprensa sobre fatos e rumo do julgamento dos réus do processo do Mensalão, sintetizados nos embates dos ministros Joaquim Barbosa (relator) e Ricardo Lewandowski (revisor) no plenário do Supremo Tribunal Federal.
Na conversa, ficou no ar "um lapso de memória". Na hora não consegui lembrar o nome de um livro que comprei há anos em Buenos Aires, li, reli e a ele tenho recorrido muitas vezes em meu ofício. São o livro e o seu conteúdo a razão destas linhas que resvalaram por desvãos da memória, fugindo da “objetividade” cobrada por seus arautos - nem sempre fiéis ao que pregam para os demais que os leem ou os escutam.
Tenho o livro agora na minha frente. É "Entre Periodistas". Na verdade, uma coleção de entrevistas feitas pelo argentino Teódulo Rodrigues, "obra pródiga em experiências, sentimentos, estilos diferentes".
Não são entrevistas para perguntar "o que pensa de...?". São conversas intimistas, emocionantes algumas, agudas ou críticas outras, mas em todas elas a presença, a preocupação e o sentido do ser jornalista e fazer jornalismo.
Uma das entrevistas mais expressivas e interessantes é com o jornalista Cláudio Andrada, sobre a cobertura dos tribunais. O entrevistado revela que "o juiz tem medo do jornalista que não conhece os procedimentos da justiça". Para terminar, um trecho exemplar da entrevista do jornalista (então no Clarín), que traduzo (precariamente):
"A justiça tem duas partes: A da justiça em si mesma e, logo, a da política. A política está presente em todas as resoluções tomadas pela justiça em qualquer nível, seja um juiz de primeira instância ou da Corte Suprema... Na Corte Suprema, os juízes são todos representantes do povo, mesmo quando nomeados pelo Poder Executivo. É o que se chama de nomeação em terceiro grau"... E fazem política, muita política em seus julgamentos.
Os jornalistas, no entanto, em geral, têm um certo pavor dos juízes e dos tribunais. Cobram rapidez e linguagem fácil de entender - ainda mais no tempo em que os meios eletrônicos e as redes sociais se fortalecem cada vez mais e querem a notícia para já, não podem esperar um dia, como os jornais impressos.
Os profissionais da imprensa não querem meter-se no meio dos autos, "que são demorados, aborrecidos e difíceis de entender". Estão criados então o impasse e a birra mútuos. No Brasil destes dias, o caso do Mensalão tem sido divisor de águas nas relações imprensa - justiça. Para o bem e para o mal.
Mas isso fica para outra vez. Só há tempo e espaço, agora, para desejar um bom voto neste domingo de eleições.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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