sábado, 6 de outubro de 2012

Presa, juíza faz campanha silenciosa na Venezuela


Eleições na Venezuela




O presidente Hugo Chávez costuma dizer que a Venezuela tem uma das democracias mais participativas do mundo. No entanto, alguns venezuelanos não poderão votar amanhã - como a juíza Maria Lourdes Afiuni. Ela está presa desde 10 de dezembro de 2009, quando concedeu a liberdade condicional ao empresário Eligio Cedeño, acusado de evasão de divisas mas que, segundo explicou a juíza naquele momento, havia superado o tempo máximo de prisão no país sem condenação firme (dois anos). Desde então, sua vida tornou-se verdadeiro pesadelo. Afiuni esteve 14 meses detida numa prisão feminina, onde sofreu ameaças de morte, ataques com facas e gasolina em sua cela e constantes humilhações. Ela só obteve o benefício da prisão domiciliar em fevereiro de 2011, porque teve de ser operada de tumores no útero e, desde então, está às voltas com lesões ainda não diagnosticadas em um dos seios. ...

Por ordem do Tribunal Supremo de Justiça, a juíza não pode falar com a imprensa e tampouco poderá votar na eleições presidenciais mais difíceis da última década para o chavismo. Seu caso é emblemático, e sua liberdade já foi pedida pelas Nações Unidas, Organização de Estados Americanos (OEA) e associações de juristas de países como Espanha e Inglaterra, entre outras entidades internacionais que lhe expressaram solidariedade. Mas Afiuni continua presa em seu apartamento localizado na região de El Hatillo, zona oeste de Caracas, que há cerca de duas semanas foi baleado por supostos seguidores do presidente. O GLOBO visitou a juíza e conversou com seus familiares. São eles que podem dar declarações sobre o drama da mulher que virou uma espécie de símbolo da resistência à revolução bolivariana.

Para entrar no apartamento de Afiuni é preciso se identificar como amigo da família e apresentar um documento aos oficiais da Guarda Nacional que estão instalados no prédio Rubi. Entre 17 e 20 militares estão permanentemente presentes no lugar. Quando a juíza foi operada, seus parentes asseguram que mais de cem oficiais estiveram no hospital — até dentro da sala de operações.

- Ela é tratada como se fosse uma terrorista. O mais incrível é que até hoje não entendemos por que o governo está atuando desta maneira - disse Elina, mãe da juíza.

Antes de chegar a Afiuni, o caso Cedeño já havia passado pelas mãos de vários juízes, que não se atreveram a tomar uma decisão favorável ao empresário. Segundo Nelson, irmão da juíza, quando Afiuni leu o expediente, percebeu que era impossível continuar mantendo o empresário atrás das grades. Até mesmo a ONU defendia, por escrito, a liberdade dele. Quinze minutos depois de ter assinado sua resolução, a juíza foi detida.

- Temos várias versões, algumas indicam que Cedeño teria dado dinheiro à oposição, outras que teria tido um problema amoroso com uma das filhas do presidente - disse Nelson. - Seja como for minha irmã fez o que era correto e até agora não foi provada nenhuma das acusações do governo, entre elas a de corrupção. Nosso processo está repleto de irregularidades, é tudo um grande absurdo.

O caso Afiuni foi um dos grandes destaques do último relatório da Human Rights Watch sobre a Venezuela, intitulado “Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez”. O documento assegura que antes da detenção da juíza, seus colegas tinham medo de questionamentos públicos pelo Palácio Miraflores. Desde dezembro de 2010, apontou a ONG, havia medo de se terminar como Afiuni.

- Sempre achamos que o Judiciário não era independente neste governo. Hoje, temos plena certeza disso - assegurou Elina.

A juíza é mãe solteira e mora com a filha, Geraldine, estudante universitária que tenta manter uma vida normal, e seus pais. Sem poder sair de casa, Afiuni passa o tempo recebendo visitas, fazendo comentários no Twitter, cursos de inglês online, quebra-cabeças e lendo livros de autoajuda. Seus problemas de saúde são delicados, e os médicos que a atendem — todos indicados e autorizados pelo governo — não querem diagnosticar as lesões encontradas em um de seus seios porque argumentam que nenhum tratamento pode ser realizado com os prazos da Justiça venezuelana.

- O tribunal demorou um ano para liberar uma segunda cirurgia para corrigir a primeira intervenção na região do útero - contou Nelson.

Se Chávez for reeleito, seu futuro é absolutamente incerto, embora o presidente tenha dito, na quinta-feira, que estaria disposto a rever casos judiciais de pessoas que, segundo a oposição, são perseguidas políticas. Uma eventual vitória de Capriles poderia abrir a porta para um indulto. Sem medo de novos ataques, a família colocou uma foto do candidato opositor na grade da janela principal do apartamento, com um terço pendurado.

- Não vão nos calar - concluiu Elina, sem esconder as lágrimas nos olhos.

Por: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo - Extra - 06/10/2012

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