Para ativista egípcio, lógica da política está minando apelo de islâmicos; risco à liberdade vem do aparato de repressão de Mubarak
13 de maio de 2012 | 3h 07
ROBERTO SIMON - O Estado de S.Paulo
Diretor da Egyptian Initiative for Personal Rights, Hossam Bahgat perde o sono com o que chama de "Estado profundo" no Egito - o entulho autoritário que sobrou da ditadura de Hosni Mubarak. Com os grupos islâmicos cada vez mais poderosos na nova política do Cairo, não.
"A grande questão hoje é como desmantelar o complexo de generais-empresários, espiões e agentes do Ministério do Interior", diz. As eleições deste mês e a nova Constituição são assuntos secundários, submetidos à essa disputa maior. Apesar da pouca idade, 32 anos, Bahgat é um dos mais respeitados ativistas egípcios, premiado pela Human Rights Watch. A ONG Conectas o trouxe a São Paulo na semana passada. A seguir, a entrevista ao Estado.
É possível dizer que são os militares que estão dando as cartas nas eleições, incluindo o veto a determinados candidatos?
Digamos que isso é um "segredo aberto". Tecnicamente, todas as desqualificações de candidatos foram corretas e tiveram base na lei. Mas é claro que elas foram ao mesmo tempo extremamente políticas.
O sr. acha que esse tipo de ação compromete a credibilidade do processo eleitoral? Quão livre é essa eleição?
Ela certamente é muito mais livres do que qualquer outra eleição que tivemos na história do Egito, embora seja necessário aguardar para ver se haverá interferência nos dias de votação. O problema principal é que as decisões da Comissão Eleitoral não podem ser contestadas em nenhuma Corte. Portanto a comissão pode livremente fazer leis para vetar candidatos, controlar campanhas, coberturas da imprensa, quem monitorará as urnas e, claro, o anúncio dos resultados finais.
E esse órgão é dos tempos de Mubarak.
Sim, a maior parte dos membros dessa instituição foi apontada ainda por Mubarak e ela é presidida pelo chefe da Corte Constitucional, que foi escolhido a dedo pelo ditador e colocado na Comissão Eleitoral justamente para preparar as eleições que Mubarak queria realizar no ano passado (o ditador, porém, foi derrubado em fevereiro). Por isso há tanta suspeita. Até agora pode-se dizer que não houve interferência política direta de modo significativo. Duas desqualificações foram desleais: a de Mohammed Khairat Shater (da Irmandade Muçulmana) e de Ayman Nour (do Partido Ghad, secular). Ambos tinham condenações, mas que datavam dos tempos de Mubarak - coisas políticas. A culpa dessa situação, porém, não é dos militares, mas da própria Irmandade Muçulmana, que está no Parlamento há três meses e não aprovou uma anistia a crimes políticos cometidos sob o antigo regime, porque ela acreditava que não precisaria disso.
Mais de 70% do Parlamento egípcio está na mão de grupos islâmicos, que defendem a sharia como base da nova Constituição. Qual é o impacto disso na construção desse "novo Egito"?
A fase em que vivemos é extremamente necessária para o amadurecimento do Egito como nação democrática. Grupos islâmicos perderam muito mais apelo nos últimos três meses em que estiveram dentro do Parlamento do que ganharam nos últimos dez anos na oposição. A força dos religiosos estava no fato de eles sempre se apresentarem - e com razão - como vítimas de uma brutal perseguição, mártires que eram excluídos da política por causa de suas crenças, por quererem seguir a palavra de Deus. Desde que se tornaram maioria no Parlamento e começaram a aparecer na imprensa, que agora está livre do controle do Estado, eles passaram a ter mais responsabilidades. Nos últimos três meses, as pessoas começaram a culpá-los por questões práticas, como a formulação de leis e as falhas no confronto com os militares. Hoje, eles estão em crise.
Em que sentido?
Não são mais vistos como anjos que não cometem erros, mas como políticos normais. Isso é extremamente saudável para nós, como país, pois não podemos postergar para sempre o debate sobre o papel da religião na política. Eu não apoio esses grupos islâmicos, mas a irmandade vem trabalhando há 80 anos, os salafistas desde os anos 90 e eles merecem estar no governo. Uma pesquisa de opinião perguntou a eleitores desses dois grupos como eles viam seus representantes agora. E o resultado foi que 80% ficaram desapontados.
Se os partidos religiosos não são o maior desafio para o Egito, quem é?
A ameaça é o "Estado profundo": militares, setores de inteligência e o Ministério do Interior. Essa é a grande questão hoje no Egito. O restante - a disputa pela Constituição, o jogo eleitoral, etc. - é uma espécie de carapaça que vemos de fora. Como desmantelar esse complexo de generais-empresários, somado à inteligência que serviu a Mubarak por tanto tempo - e ficou ainda mais poderosa depois da revolução, pois o Exército está se apoiando nela - e o Ministério do Interior? Essa é a pergunta. Eles estão trabalhando para impedir a mudança e restabelecer as coisas do jeito que elas eram. Não estão conseguindo porque jovens se recusam a deixar as ruas e ir para casa, estão dispostos a morrer. Independentemente de quem for eleito presidente, (o ex-chanceler Amr) Moussa ou (o islâmico moderado Abdel) Aboul Fotouh, esse confronto será o tema principal. Um governo de Aboul Foutoh vai combater isso diretamente e abrirá uma crise política. Moussa não mudará nada, pois ele sempre operou sob esse guarda-chuva. Mas então ficará claro que o poder está com as forças de segurança e o presidente é apenas uma fachada do Estado. E em ambos os casos a instabilidade continuará por um motivo simples: os problemas socioeconômicos que levaram à ela não irão embora tão cedo.
Postado por Carlos Eduardo Bekerman no portal Pletz@le
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