Cláudio Soares Lopes, O Globo
Tramita a passos largos na Câmara dos Deputados a PEC nº 37/2011, a maior ofensiva, desde a promulgação da nossa Constituição Cidadã, contra a principal instituição criada para servir à sociedade no combate à corrupção e ao crime organizado: o Ministério Público.
De autoria de um delegado de polícia eleito deputado federal pelo Maranhão e convenientemente chamada de PEC da Impunidade, a medida proíbe que procuradores e promotores de Justiça façam qualquer investigação criminal direta.
O poder investigatório do Ministério Público é um direito constitucional do próprio cidadão, pois é a garantia de uma instituição absolutamente independente no combate à criminalidade. Por isso, a PEC da Impunidade, ao restringir o direito da sociedade à segurança pública, deve ser considerada manifestamente inconstitucional.
Em tempos em que a atuação destemida de membros do Ministério Público de todo o país começa a alcançar os altos escalões do crime organizado de várias espécies, surge uma proposta que retira da sociedade o seu principal protetor, justamente aquele que poderia atuar, por sua distância dos demais Poderes, com isenção e impessoalidade.
Para o autor da PEC e seus principais defensores, quando o Ministério Público combate a criminalidade promovendo a investigação, isso se revela perigoso arbítrio e sepulta os direitos do cidadão — por mais absurda que possa parecer essa justificativa. Resta-nos saber quem seria esse cidadão interessado em afastar o Ministério Público da apuração dos crimes.
São milhares os exemplos do passado em que a investigação do Ministério Público foi crucial para apuração dos crimes e prisão dos seus autores, especialmente quando há envolvimento de maus policiais ou pessoas detentoras de dinheiro, poder ou prestígio, como foi o caso do estouro da mansão do bicheiro Castor de Andrade, na década de 90.
Num passado nem tão distante, podemos citar a Operação Caixa de Pandora, do Ministério Público Federal, que denunciou esquema de corrupção no governo do DF.
Aliás, recentemente, no interior do nosso estado, um delegado de polícia e alguns inspetores utilizavam a própria delegacia para praticar extorsões contra empresários locais. A população, por acreditar no Ministério Público, procurou o promotor de Justiça da cidade, que iniciou sozinho as investigações e colheu os primeiros depoimentos, resultando na prisão dos criminosos.
A quem aqueles cidadãos do interior recorreriam se o Ministério Público não pudesse investigar?
A proposta, assim, além do seu inegável apelo corporativista, atende aos interesses daqueles que temem a atuação do Ministério Público, pois sabem que é muito mais difícil — para não dizer impossível — manipular as investigações criminais promovidas por procuradores e promotores de Justiça, que não estão subordinados a ninguém, nem mesmo ao chefe da instituição, no exercício das suas atribuições.
Embora não exista país democrático que prive do Ministério Público o poder de realizar investigações criminais, deputados federais integrantes de uma comissão especial, quase todos ligados às polícias, aprovaram por esmagadora maioria (14 votos contra 2) a PEC da Impunidade, que agora segue para o plenário da Câmara.
Resta-nos torcer para que o crime organizado tenha vencido apenas essa batalha, mas não a guerra, e a PEC 37/2011 não seja aprovada pelos parlamentares no plenário.
Cláudio Soares Lopes é procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
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