Um ano depois da ocupação, como vai a vida do primata que, acredita-se, vivia com traficantes da comunidade
RIO - Se esse “cara” de olhar perdido bocejando no fundo da jaula for o Tião, Tião da Rocinha — e tudo indica que é mesmo —, ele é o dono de uma vida de cinema. Vida louca: mistura de “Cidade de Deus” com “King Kong”, “Tropa de elite” com “Os doze macacos”. Tratado a pão de ló (ou melhor, a doces e bananas), o primata era visto na garupa ou no tanque de uma motocicleta, de carona com um piloto que levava um fuzil atravessado nas costas, pistolas na cintura. E o Tião lá, só curtindo a brisa no rosto, “Easy Rider” pelas ruas da maior comunidade da América Latina.
Na Rocinha, o pessoal dizia que ele era um filhote de gorila. Tinha mesmo toda pinta: parrudo, retinto, bonitão. Tirava onda de gorila. Mesmo assim, acabou ganhando nome de chipanzé (como o Macaco Tião, finada estrela do zoológico do Rio). Mas não era nenhum dos dois, o Tião da Rocinha era um bugio, da espécie Alouatta caraya.
De acordo com a primatóloga Cristiane Rangel, do Jardim Botânico, trata-se de um macaco da região central do país, mais comum no Pantanal. Lá, eles vivem em bandos, e os machos têm haréns de fêmeas. Como são animais silvestres, não podem ser mantidos em cativeiro sem uma autorização do Ibama.
Não se sabe como, quando e com que idade Tião chegou à comunidade.
— Há dois anos, nós sabíamos da existência desse bugio com os traficantes da Rocinha. Moradores contaram que ele andaria com o próprio Nem — diz Cristiane, referindo-se ao ex-chefe do tráfico no local, Antônio Bonfim Lopes, preso em novembro de 2011 e atualmente na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Em outubro do ano passado, às vésperas da ocupação da Rocinha, Cristiane fez um apelo a diversos policiais civis e militares. Caso encontrassem Tião, um macaco diferente, deveriam contatá-la imediatamente. Cristiane é a única primatóloga em atividade no Rio e temia pela saúde do animal silvestre.
Mas haveria uma reviravolta na trama. No sábado, dia 5 de novembro de 2011, exatos oito dias antes da ocupação, o Corpo de Bombeiros da Taquara resgatou um animal que invadiu uma casa na Floresta da Tijuca. O intruso não era um macaco prego, um mico-estrela ou um sagui-amazônico, os três tipos que habitam a cidade. Era um tal macaco diferente, que podia passar facilmente por filhote de gorila. Cristiane não tem dúvidas de que o bicho capturado era ele mesmo, o Tião:
— A descrição que tínhamos do macaco da Rocinha batia exatamente com o que foi encontrado. O dono deve ter mandado soltá-lo na floresta, pois, provavelmente, não poderia levá-lo na fuga. Que eu saiba, nunca havia aparecido um Alouatta caraya por aqui.
Tião (ou seu sósia) foi entregue pelos bombeiros ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres da Estácio de Sá (CRAS), em Vargem Pequena. Lá, o veterinário Jeferson Pires e um grupo de voluntários tratam de animais feridos e/ou apreendidos. Neste ano, foram quase 500 gambás, 300 pinguins e quatro falcões peregrinos. Nenhum bugio do pantanal havia passado pelo CRAS. Confusos, os estagiários que receberam o bicho acreditaram que se tratasse de um “macaco prego diferente”, como disseram.
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