Petistas defendem a todo custo ex-presidente Lula depois de acusações feitas por operador do mensalão
BRASÍLIA e SÃO PAULO - A briga entre o PT e o operador do mensalão, Marcos Valério, promete ser explosiva, com risco político ainda não mensurado a partir da decisão do partido de sair em defesa inconteste do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando o teor do depoimento de Valério veio à tona na última semana, o líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP), chamou Marcos Valério de delinquente e disse que ele deveria estar mais preocupado com as condições dos presídios do que em atacar Lula. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, se disse indignado ao ver Lula ser “atacado por uma pessoa que está condenada, não tem nenhuma credibilidade”.
Orientados pela cúpula, os petistas dizem que a decisão é mesmo essa: reagir de maneira contundente para intimidar Marcos Valério e evitar que ele envolva outros personagens na história, sem apresentar provas.Ao defender o ex-presidente e desqualificar Marcos Valério, o PT sabe que pode estar incriminando, indiretamente, os companheiros petistas já condenados pelo Supremo no julgamento do mensalão. Não há outra saída a não ser defender Lula, dizem os petistas, sobre o patrimônio maior do partido.
O deputado Paulo Teixeira (SP) afirma que, diante do que considera mentiras do empresário, é preciso reagir. Lembra que “as entranhas do partido já foram expostas durante a CPI dos Correios”, e que não há nada que Valério possa acrescentar de novo. O que ele quer, diz o petista, é a redução da pena:
— Ele mais ouviu falar sobre o funcionamento do partido do que o conheceu de fato. Ele se aproximou de pessoas do PT, ouviu comentários sobre vários assuntos e acabou reproduzindo. Foi vítima de sua própria curiosidade e achou que ficaria impune. O problema dele agora é saber como vai ser na cadeia, que tipo de comida vão servir lá. É um delinquente, não tem a mínima credibilidade mais.
Já o secretário nacional de Comunicação do PT, André Vargas, afirma que o partido está mais preocupado em atacar as condições em que o depoimento foi prestado do que com a credibilidade de Valério.
— Ele era um homem desesperado à procura de diminuir sua pena. Em princípio, o depoimento, puro e simplesmente, não deveria ser levado a sério. Ao dar credibilidade a uma pessoa que procura a delação premiada, presumindo a culpa dos acusados e não a inocência, a imprensa erra.
Vargas faz críticas à imprensa:
—Não foi assim quando o Fernando Henrique (Cardoso) foi flagrado em um grampo telefônico favorecendo um grupo na privatização das teles, e só se discutiu se o grampo era criminoso ou não. Não faço crítica ao Marcos Valério, acho excessiva a pena dele e as dos outros réus. Mas o Lula é muito maltratado comparativamente. Este é o centro da minha fala e eu acho até que você não vai publicar — afirmou ele à reportagem do GLOBO.
Do lado da oposição, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) aposta que essa contraofensiva lulista vai trazer novas denúncias. Ele diz que o acordo de proteção recíproca celebrado entre Valério e o PT na época da CPI dos Correios agora foi quebrado. Considera que Marcos Valério, ao ser condenado a mais de 40 anos, ficou muito angustiado e seu estado de espírito é de alguém que não teve compromissos cumpridos.
O tucano acredita que, quanto mais Valério se sentir acossado pela cúpula petista, mais lenha poderá colocar na fogueira:
— Significa que pode haver exacerbação dos dois lados e, com Valério fustigado, podem surgir mais acusações.
Para cientista político, “PT está agindo na névoa da guerra”
O cientista político da Universidade de Brasília Paulo Calmon tem uma análise mais cautelosa a respeito do episódio. Para ele, a reação do PT ao depoimento de Valério é natural, já que o patrimônio político do partido está diretamente associado à imagem do ex-presidente, e precisa ser defendido.
Mas, para o professor, ainda é cedo para medir as consequências, já que a credibilidade dos fatos relatados por Valério ainda não foi comprovada:
— O PT está agindo na névoa da guerra, sem ter todas as informações e sem ter a clareza do que está acontecendo. Diante dos ataques, o partido tenta se preservar da melhor maneira que pode. Mas ainda é difícil estimar as consequências.
Para o cientista político do Insper/SP Humberto Dantas é uma incoerência do partido criticar Marcos Valério pelo fato dele ter sido considerado um criminoso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— O que o José Dirceu tem de diferente do Marcos Valério em relação ao crime (que cometeram)? Foram julgados rigorosamente no mesmo processo e incriminados de maneira muito semelhante. Por que a sociedade tem que achar que o José Dirceu foi um injustiçado e que o Valério é um criminoso? Os dois participaram das mesmas aberrações — defende o cientista político, que cobra de Marcos Valério a apresentação de provas do que diz, não porque está na situação de criminoso, “mas porque assim a Justiça exige”.
— O PT está utilizando um tipo de discurso usado na política há anos, e mostra que não tem absolutamente nada de diferente em relação aos outros partidos — completa Dantas.
Já o cientista político Antônio Lavareda acredita ser relevante lembrar da condição de Valério ao fazer suas denúncias e diz ver consistência nos argumentos tanto da oposição quanto da situação:
— Se um ex-presidente da República é acusado de cometer ações criminosas, o Ministério Público deve apurar esse comportamento e as denúncias. De outro lado, se as denúncias são feitas por alguém sabidamente desqualificado e que as faz porque está em busca do prêmio da delação premiada, é preciso considerá-las com certa cautela. As duas premissas são verdadeiras. Cabe ao Ministério Público pesar as duas coisas na balança. É uma das raras ocasiões em que os dois lados, oposição e situação, têm razão — diz o cientista político.
Autor de um recém-lançado livro com uma análise sobre o mensalão, o historiador Marco Antônio Villa, da UFSCar, diz acreditar que o PT não “joga seus condenados ao mar” quando critica Valério.
— Houve um recuo estratégico, mas nada demais. Este ataque a Valério não prejudica os réus (do PT) — diz o historiador, para quem o partido sempre defenderá suas lideranças, a qualquer custo, se não institucionalmente, pelo menos por meio de outros braços do partido, como movimentos sociais e entidades usadas como “correias de transmissão”. Através delas, atacarão sempre a independência do Judiciário e da imprensa propondo um revisionismo do processo do mensalão, acredita ele. (Colaborou Thiago Herdy)
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