Em 1204, Constantinopla, capital da metade do que um dia fora o Império Romano, ocupava o lugar de Rainha das Cidades no mundo há quase 900 anos. Ofuscara a velha Roma, já uma sombra do que fora.
Ali a cultura e a língua gregas eram cultivadas: Aristóteles, Platão, e outros gigantes da cultura grega eram lidos e estudados em sua língua original. O governo dos imperadores bizantinos promovia os valores cristãos. Eram homens com elevada preocupação social. Havia hospitais públicos, asilos para os despossuídos e para prostitutas arrependidas. Monastérios para homens e para mulheres ofereciam instrução, orientação espiritual e abrigo. Havia tolerância com as minorias. Constantinopla era uma exceção no mundo antigo.
Conhecida como A Cidade, seu nome atual é uma corruptela do grego “para a cidade”: Eis tin Polin = Istanbul.
Mas a cobiça, aliada ao fanatismo religioso, muitos danos já causou ao mundo. Em 1204, a Quarta Cruzada desviou-se de sua rota original, a Palestina, e atacou Constantinopla. Todos os relatos do saque feito pelos cruzados são unânimes em falar das atrocidades e das crueldades cometidas contra o povo e contra a cultura dessa cidade até hoje sem igual. As bibliotecas foram queimadas e as escolas saqueadas.
A cidade tinha muitas e belas igrejas recheadas de tesouros de altíssimo valor. O interior e o luxo dos palácios deslumbravam todos os visitantes. Eis o relato de um cruzado: “Nunca se imaginou que houvesse em todo o mundo tanta riqueza; os palácios, as grandes igrejas, que eram tantas que ninguém acreditaria nisso se não houvesse visto com seus olhos; e a largura e a extensão da cidade, que a tornava a soberana dentre todas. Não houve homem tão frio que não tremesse diante do que via”.Geoffrey of Villehardouin, 1160 – c. 1212, cavaleiro, historiador e cronista da Quarta Cruzada, autor da mais antiga narrativa histórica em prosa, na língua francesa, que sobreviveu até nossos dias.
Há muito a Sereníssima tinha um relacionamento especial com os plenipotenciários das cidades do Oriente. O intercâmbio entre o Oriente e a República era intenso. Sua participação nas Cruzadas se deve justamente ao seu poderio naval: era a única com frota capaz de transportar os milhares de cruzados até aquela parte do mundo.
Mas não há dúvida que participou da violência do saque. Na divisão do espólio cobrou pelo transporte marítimo e ficou com a maior parte: ouro, pedras preciosas, tapetes, estátuas, mármores, peles, objetos, a lista é longa. E como os Cruzados dominaram o Império Bizantino por 57 anos, tempo houve para levar as maravilhas que hoje nos encantam.
Falemos de algumas.
A Quadriga: mosaicos que decoram o portal de Santo Alípio (c.1265), na fachada da Basílica, mostram os cavalos em bronze na posição que ocupam. Sabe-se que decoravam o Hipódromo de Constantinopla. Em 1797, Napoleão os levou para Paris, a fim de coroar o Arco do Triunfo. Com a derrota de Napoleão, em 1815, na presença de Francisco I da Áustria, novo soberano de Veneza, foram devolvidos à fachada da Basílica. Desde a década de 60 do século passado a preciosa quadriga, única da antiguidade ainda existente, está abrigada no museu e em seu lugar vemos cópias.
O Leão Alado: ( c. 300 a.C.) no alto da coluna à direita na entrada da Piazzeta, acredita-se que é originário de Tarso (sul da Turquia), cidade natal de São Paulo e onde Marco Antonio e Cleópatra se viram pela primeira vez.
Os tetrarcas: grupo em pórfiro que retrata a época em que o Império Romano foi governado por quatro soberanos, conforme instituído por Diocleciano. A tetrarquia consistia em dois Augustos (imperadores mais velhos) e dois Cesares (imperadores mais jovens). A estátua ficava em Philadelphion, praça pública em Constantinopla, onde o pé que falta em uma das estátuas foi encontrado. Há pesquisadores que acreditam que o grupo representa os filhos de Constantino.
Os Pilares de Acre: sempre chamados assim, mas escavações do final do século XX demonstram que não vieram de Acre e sim de Constantinopla, da Igreja de São Polieuktos (524/7).
Nos Museus de Veneza há muitas relíquias e objetos valiosos pilhados em Constantinopla. Impossível mencionar todos. Eis um desses objetos, um queimador de incenso (século 10 ou 11):
Não me esqueci da Pala d’ Oro – mas essa peça deslumbrante não foi fruto do saque. Foi encomendada aos artesãos de Constantinopla, reconhecidamente artistas de grande valor. Se bem que o ouro e as pedras preciosas...
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