Iniciativa de escola paulistana causa polêmica e abre debate sobre as necessidades e as consequências da vigilância eletrônica
Natália Martino e Tamara Menezes
O ambiente está sendo filmado. As imagens são confidenciais e protegidas nos termos da lei.? Foi com essa informação impressa em pequenas placas que os alunos do terceiro ano do ensino médio do Colégio Rio Branco ? um dos mais conceituados e tradicionais de São Paulo ? foram surpreendidos quando entraram na sala de aula na manhã da segunda-feira 24. Inconformados com a instalação de câmeras para vigiar as classes sem que para isso houvesse qualquer discussão anterior, e sob o discurso de que estariam com a privacidade tolhida, os estudantes, em protesto, ocuparam um dos principais pátios do colégio, dificultando a entrada dos demais alunos ? 107 deles foram suspensos por um dia. Na quarta-feira 26, a diretora do colégio, Esther Carvalho, admitiu que falhou ao não fazer um comunicado prévio sobre a instalação das câmeras e os motivos que levaram à sua decisão. Ela também explicou que a punição dada aos alunos não se deveu apenas ao protesto da segunda-feira, mas foi uma resposta da escola a recorrentes atos de indisciplina que o grupo vinha protagonizando nos últimos meses, desafiando a direção, questionando notas e métodos de avaliação sem usar os canais adequados para isso. Justa ou não a punição, o certo é que, durante a semana passada, as câmeras instaladas dentro das salas de aula do Colégio Rio Branco viraram tema de uma oportuna discussão sobre a necessidade e as consequências pedagógicas da vigilância eletrônica em salas de aula.
SURPRESA
Instalação de câmeras sem aviso-prévio
gerou protesto no Colégio Rio Branco (SP)
Câmeras na entrada, nas quadras e nos corredores de escolas particulares e públicas são comuns. A novidade, que não é uma exclusividade do Colégio Rio Branco, foi a instalação das câmeras na sala de aula, o que divide a opinião dos especialistas. Os que se manifestam favoráveis à vigilância alegam que a indisciplina dos jovens de hoje está tão fora do controle que qualquer ferramenta que ajude a policiá-los é válida. ?Estamos vivendo em uma selva?, diz Victor Notrica, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro. ?É muito triste a pessoa ter que se sentir vigiada, mas com os problemas de segurança e de disciplina acaba sendo aceitável.? A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto, concorda com a necessidade de impor mais limites aos jovens e acredita que a estratégia das câmeras não prejudica o aprendizado. ?Não podemos condenar uma medida que, em última instância, vai acabar inibindo práticas inadequadas, como o bullying?, avalia. ?Quanto ao professor, se o seu trabalho é adequado às propostas pedagógicas da escola, não há com que se preocupar. Pode ser até bom para evitar agressões contra o profissional, que são cada vez mais comuns?, afirma.
No colégio Alfa CEM, no Rio de Janeiro, por exemplo, as câmeras estão presentes na sala de aula e são usadas para vigiar o comportamento dos alunos. Segundo a diretora, Maria Carolina Alves, as imagens gravadas já foram usadas para provar a alguns pais a participação de seus filhos em episódios de indisciplina. Em outro colégio carioca, o Pensi Ipanema, a diretora, Débora Goulart, atesta os bons resultados da medida adotada no ano passado. ?Inibe um pouco os alunos em relação à bagunça?, diz ela. ?As carteiras e as paredes das salas estão mais limpas e os adolescentes muito mais comportados?, relata a diretora.
Embora os resultados práticos da medida sejam positivos, a estratégia é questionável do ponto de vista da formação dos adolescentes. ?As normas precisam ser interiorizadas para que a pessoa ganhe autonomia e não há como isso acontecer em um ambiente que condiciona o bom comportamento à vigilância?, diz Silvia Colello, professora de psicologia da educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). ?Os jovens precisam ser conscientizados sobre as regras de convivência, não coagidos a segui-las. Vamos ensiná-los a se comportar só quando alguém estiver olhando??, pergunta.
Embora os resultados práticos da medida sejam positivos, a estratégia é questionável do ponto de vista da formação dos adolescentes. ?As normas precisam ser interiorizadas para que a pessoa ganhe autonomia e não há como isso acontecer em um ambiente que condiciona o bom comportamento à vigilância?, diz Silvia Colello, professora de psicologia da educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). ?Os jovens precisam ser conscientizados sobre as regras de convivência, não coagidos a segui-las. Vamos ensiná-los a se comportar só quando alguém estiver olhando??, pergunta.
De acordo com os especialistas ouvidos por ISTOÉ, as câmeras podem ser uma solução urgente e concreta para os graves problemas de indisciplina enfrentados pelas escolas atualmente, mas é necessário analisar a questão de forma mais ampla. ?Não adianta só identificar o aluno que agrediu o colega. É preciso saber o que fazer com ele, como garantir que ele não repita o ato. A escola não é um presídio onde a regra é vigiar, ali a regra deve ser formar, ensinar?, diz Silvia, da USP. Para a educadora, a escola é um microcosmo da sociedade e os conflitos são inevitáveis. Por isso, as instâncias de mediação do colégio, que incluem professores, coordenadores e inspetores, têm de saber como lidar com isso. ?Vigiar as salas só vai fazer com que os alunos transfiram as práticas indesejadas para outros lugares, sejam os banheiros, seja a calçada em frente à escola?, diz. Segundo ela, a imposição de limites e o aprendizado das regras de convivência começam em casa. Mas, em alguns casos, o que se vê são pais que reconhecem sua incapacidade de exercer a autoridade e tentam transferir para a escola a função de controlar o filho.
BIG BROTHER
Colégio Alfa CEM, no Rio: a direção diz
que a disciplina melhorou com a vigilância
A questão também é polêmica do ponto de vista do professor. As câmeras são aliadas na hora de garantir a disciplina e podem até funcionar como ferramenta de aprimoramento profissional. Com elas, o docente passa a ter a possibilidade de rever suas aulas e descobrir como melhorar. O equipamento de vigilância, porém, pode prejudicar a espontaneidade na relação com o aluno ou na utilização de métodos alternativos de ensino, como brincadeiras, por exemplo. ?Esse terceiro elemento no ambiente sempre vai causar apreensão e inibir discussões sobre assuntos polêmicos e necessários, como drogas e discriminação?, exemplifica Silvia Bárbara, diretora da Federação dos Professores do Estado de São Paulo, há mais de três décadas no magistério. A autoridade do docente para administrar os conflitos dos seus alunos também fica em xeque, pois esse papel é transferido para um árbitro que vai decidir com base nas filmagens.
No Colégio Rio Branco, onde a polêmica se instalou, a direção da escola informa que o equipamento de vigilância em sala de aula é parte de um projeto iniciado há quatro anos. No total, a instituição conta agora com 112 câmeras. Elas foram instaladas primeiramente nas áreas comuns e depois nos laboratórios. Apesar de admitir que as imagens podem ocasionalmente ser usadas para a resolução de conflitos entre os alunos e entre eles com os professores, a diretora garante que esse uso será secundário. ?É para segurança patrimonial?, afirma a diretora Esther. Depois de o episódio ganhar notoriedade, a direção da escola se reuniu com pais e explicou os motivos que levaram o colégio a adotar a medida. Até o fim da semana, porém, os alunos seguiam insatisfeitos. ?Quando um adolescente diz que não é ouvido, é bom questionarmos se ele realmente não está sendo ouvido ou se apenas suas demandas não foram integralmente atendidas, apesar de terem sido avaliadas?, diz a diretora.
Fotos: Marcelo Justo/folhapress; reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário