domingo, 30 de setembro de 2012

Santa Helena te perdoe



Sebastião Nery
José Burnet, maranhense, jornalista, intelectual brilhante, depois chefe da Casa Civil do governador João Castelo, era deputado estadual do PSD. Em 1962, candidatou-se à Câmara e saiu pelo interior em campanha eleitoral. Chegou à cidade de Santa Helena, foi para o comício:
– Povo de Santa Helena! Gosto tanto desta terra, mas tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Santa Helena.
Foi um sucesso. No dia seguinte, Burnet estava em Pinheiro:
– Povo de Pinheiro! Gosto tanto desta terra, mas tanto, que se pudesse nascer de novo pediria a Deus para nascer aqui em Pinheiro.
Lá de trás, um agricultor, que por acaso tinha assistido ao comício da véspera, em Santa Helena, gritou:
– Doutor, e Santa Helena, doutor?
– Santa Helena? Santa Helena? Santa Helena que me perdoe!
E desceu.
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PMDB DO MENSALÃO
O senador Sarney não precisa pedir a Deus para nascer em Pinheiro. Já nasceu lá. Precisa, e muito, é pedir perdão a Santa Helena por ser tantos sendo um só. E, em cada época e lugar, ser um Sarney tão diferente do outro.
O ex-presidente competente que comandou no País a travessia da ditadura para a democracia e por isso é respeitado nas referencias e conferencias internacionais, o construtor da nova política sul-americana do Brasil, a partir do Mercosul, o acadêmico com seus romances traduzidos lá fora, não tinha o direito de ser o chefe do PMDB do Mensalão e Sanguessugas.
E ainda fica magoado quando seus amigos e companheiros, de Senado e de partido, se declaram decepcionados, como o senador Pedro Simon:
“É triste esse papel do Sarney. Infelizmente, ele serve a qualquer governo e tem os cargos que quer”.
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O CANGURU
O senador Simon sabe e diz, e isso sobretudo o constrange, que o pecado de Sarney, de servir a qualquer governo, em qualquer época e da maneira mais cinzenta, desde que puxe as brasas para sua sardinha, vem de longe.
Em janeiro de 1971, em pleno horror do governo Médici, mal Sarney chegara ao Senado, o americano B. Shepard desceu na Lua, comandando a Apolo 14. (Não era o primeiro. Em julho de 1969, Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin Buzz já haviam caminhado na lua pela primeira vez).
Quando Shepard pisou na lua e saiu andando, branco e inflado, sobre as crateras de Fra Mauro, um cientista de Houston gritou: “É o canguru”!
O mundo todo ouviu e riu. Naquele dia, a Veja havia saído com uma surpreendente entrevista, nas páginas amarelas, do jovem e brilhante senador de 41 anos. Ele, que nada mais tinha sido na vida senão político (deputado aos 25 anos, governador aos 35), pregava que “a hora é dos técnicos”. Atacava “a velha era dos políticos” e anunciava “a nova era dos técnicos”. Sarney emprestava sua boca para um recado da linha dura militar.
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SARNEY
Quem o conhecia, seus companheiros da Bossa Nova da UDN, quase todos cassados, levaram um susto. Desde 1950, lá em São Luís, jornalista talentoso, candidato a deputado federal pelo PSD, ele só fazia política. Fui à Enciclopédia Larousse: “Canguru: caracteriza-se por uma cauda imponente para assegurar o equilíbrio do salto. Animal inofensivo e medroso”. Pensei logo: “É o Sarney.” E escrevi, na Tribuna da Imprensa, um artigo (O canguru do Maranhão) contando a decepção dos ex-colegas dele.

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