quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O banqueiro abre o jogo Saiba como Roberto Setubal, Presidente do Itaú, teve de superar a pressão, a timidez e o perfil técnico para se tornar o líder de uma megaoperação Roseli Loturco e José Eduardo Costa (redacao.vocesa@abril.com.br)



Crédito: Foto de abertura: Raul Junior
 - Crédito: Foto de abertura: Raul Junior
Roberto Setubal o presidente do Itaú Unibanco, é um homem prático, objetivo e, na maioria das vezes, usa poucas palavras para comunicar suas ideias. no mês passado, ele recebeu a VocÊ S/a na sede do banco, no bairro do Jabaquara, em São Paulo, para uma conversa de uma hora. 

Relaxado e descontraído, ele abriu o jogo sobre os desafios que teve de superar para crescer e ser reconhecido, a solidão que sentiu ao chegar à presidência do Itaú, em 1994, aos 39 anos, e a angústia que ainda sente nas horas que antecedem decisões difíceis. roberto também falou de suas paixões: o Santos Futebol clube e o rock dos anos 60 e 70. 

O banqueiro dá a sensação de estar tranquilo com os caminhos que o banco vem trilhando. a integração com o Unibanco foi superada e o desafio agora é retomar o nível de eficiência anterior à fusão. a união com o banco de Pedro moreira Salles fez bem ao Itaú, que passou a dar mais ênfase às questões de liderança e pessoas, traços da cultura do Unibanco. a conversa com a VocÊ S/a aconteceu um dia após o Banco do Brasil anunciar queda nas taxas de juros nos empréstimos à pessoa física. 

Esse é um assunto historicamente delicado para o presidente do Itaú Unibanco, tido como conservador nesse tema. "ele tem uma visão anacrônica do sistema financeiro quando o assunto é juros", diz roberto Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos. 

Na ocasião, roberto Setubal, questionado sobre a possibilidade de diminuir as taxas, afirmou: "os juros vão abaixar na medida do que é possível; há custos de captação, depósito compulsório e impostos". Treze dias após essa afirmação, o Itaú Unibanco reduziu os juros. Foi o último dos grandes bancos a fazê-lo. nas próximas páginas, roberto fala sobre o papel do líder, atitudes que diferenciam os bons profissionais dos medíocres e a importância de agir.

Quais os paradigmas de liderança que o senhor acredita que quebrou ao assumir a presidência? 
Não tem quebra de paradigma. Existem vários tipos de liderança e eu sou um dos estilos possíveis. Não tem milagre nem fórmula mágica. Eu procuro ser muito transparente, sincero e aberto com todos. Falo o que é difícil e o que é fácil. Acho que o combinado não é caro. Procuro também ouvir bastante. Acho essencial que as pessoas que trabalham comigo trabalhem com o objetivo do banco. Ninguém está aqui para me agradar. Detesto qualquer coisa nesse sentido. O objetivo comum é a empresa. Há pouco lugar aqui para vaidades pessoais. 


O que é fundamental? 
Um ponto muito importante que procuro trabalhar com todo mundo é a ação. A atitude é mais importante do que as palavras. Aquilo que você faz tem de ser absolutamente consistente com o que você fala. Se isso não acontece, nada vale. 


Quais foram as dificuldades ao unir Itaú e Unibanco?
O processo de fusão foi delicado. Sempre houve aquela desconfiança de que o tratamento seria diferenciado para funcionários do Unibanco. Eu e o Pedro [Moreira Salles, expresidente do Unibanco] começamos a falar para as pessoas que, a partir do momento em que assinamos a fusão, não havia mais certificado de origem. Todo mundo era igual e a competência de cada um e seu alinhamento com a nova empresa é o que passou a contar. 


Apesar de a sua fala reforçar a coesão em relação aos objetivos da organização, é comum ocorrer conflitos. Como administra isso? 
Ninguém é obrigado a ser amigo de ninguém. Agora, todos têm obrigatoriamente de contribuir para os objetivos da companhia. Para mim, é totalmente inadmissível que, por alguma querela pessoal, alguém não esteja fazendo o que tem de fazer pelo banco. Tem de ser profissional e fazer corretamente sempre. As questões pessoais têm de ser colocadas de lado. Se você está tendo algum problema, venha me falar. Vamos conversar. Os problemas sempre existem. O que não pode é usar a falsa desculpa de que as coisas não andam porque alguém não gosta de você. Isso é inaceitável. 


O senhor é duro e incisivo com o desvio de conduta? 
Eu não dou muita chance, não. Errar, claro que é humano. A pessoa pode fazer algo sem perceber que está errando. Daí sentamos e corrigimos. O que é inadmissível é a ação premeditada para prejudicar alguém. Aí é uma vez só. 


Quando fala em transparência e ação, o senhor tenta criar um mantra a ser seguido por todos. Como consegue que outros líderes pratiquem esses objetivos? 
A prática cria o comportamento. Você pratica com os seus [subordinados] diretos e [a prática] vai se disseminando em cadeia. É uma ação que tem de ser permanente. 


No processo de fusão, foi assim desde o início? 
Quando fizemos a fusão, embora fossem empresas relativamente parecidas em termos de cultura e atitudes, havia diferenças. Da mesma forma ocorre dentro de uma família, em que todos são educados pelos mesmos pais e há diferença entre os filhos. Uma das coisas que fizemos rapidamente, incentivada pelo Pedro — e ele tinha razão —, foi identificar e definir com clareza quais eram os valores e a cultura da nova empresa. A expectativa era de que todos os funcionários se alinhassem em torno daquilo. Depois de um certo tempo, fizemos uma pesquisa com duas consultorias externas para identificar quais eram os valores dos funcionários do Itaú e os do Unibanco. Chegamos a uma lista de 50 princípios. Daí, extraímos dez crenças para nortear a nova organização. Dessas dez, nove eram comuns ao Itaú e ao Unibanco antes da fusão. 


O que era diferente?
O que no Unibanco aparecia como rentabilidade, no Itaú era performance, desempenho. O alinhamento era total e a possibilidade de integração das duas culturas estava muito evidente.


E qual foi o passo seguinte? Elaboramos um decálogo com frases para orientar o comportamento das pessoas. Há uma delas que diz: "Todos pelo cliente" e outra que afirma "Liderança tem de ser ética e responsável". Essas frases são carregadas de regras. Se as pessoas estão dentro desses princípios, podem brigar comigo que estarão cobertas. Agora, pisou fora da linha, é bom se preocupar. 


É um alinhamento de valores que deve servir para a formação dos líderes da empresa? 
Sim. É uma orientação muito clara dos nossos valores. E serve para a formação de nossas lideranças.


"Um ponto muito importante que procuro trabalhar com todo mundo é a ação. Aquilo que você faz tem de ser absolutamente consistente com o que você fala

Caminho até a presidência

Quarto filho de Olavo Egydio Setubal, que teve seis meninos e uma menina, Roberto Setubal se formou em engenharia pela Universidade de São Paulo, em 1977. Desde sua entrada no Itaú, o pai vislumbrou a possibilidade de o filho assumir sua cadeira. 

"Entre 1983 e 1984 [quando Roberto tinha 27 anos], Olavo enviou o filho para uma espécie de estágio com o banqueiro mais influente da época, John Reed, presidente global do Citibank. Ele acompanhava John aonde quer que fosse, participando de sua agenda em quase todas as decisões importantes", diz Herbert Steinberg, ex-executivo do Citibank. 

De volta ao Brasil, em meados da década de 1980, o presidente do Itaú à época, Carlos da Câmara Pestana, forçou Roberto a sair da área técnica, tirando-o de sua zona de conforto e indicando-o para a área comercial. Ali, Roberto teve de superar a timidez e a introversão para engajar e motivar os profissionais de sua equipe. 

Foi aí que aprendeu, de fato, a liderar. "Roberto se tornou um líder objetivo, educado e focado em resultados", diz Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos. A linha do tempo mostra, a seguir, o percurso de Roberto até a presidência.





Até agora falamos de aspectos similares das organizações. E as diferenças? Quais foram os desafios?
As diferenças, embora existissem, e eu vou falar delas, eram convergentes. O que eu quero dizer com isso? Coisas que o unibanco trabalhava melhor, ou dava mais ênfase, eram coisas que dentro do próprio itaú a gente estava procurando fazer. e vice-versa. Por exemplo, o itaú sempre foi muito forte em processos. e o unibanco vinha trabalhando para avançar nisso. Já o unibanco dava mais ênfase às questões de liderança e recursos humanos. o itaú vinha trabalhando em projetos para melhorar e fortalecer justamente esses aspectos. 


Como diminuir o coro da turma do "não vai dar certo"? 
As condições básicas do que a gente queria, naquele momento, estavam dadas, como as questões dos valores. teríamos de fazer muita barbeiragem para não dar certo. as pessoas estavam olhando a minha relação com o Pedro, o que estávamos falando e como agíamos. nós nos alinhamos rapidamente. os que não se adaptaram saíram. Muita gente saiu? tivemos o privilégio de conseguir uma retenção muito elevada nos altos níveis. Posso dizer que, das pessoas que nós queríamos manter na empresa, 90% ficaram. mas, claro, houve uma redução importante de quadro também nas diretorias. E como foram feitas as escolhas? as escolhas foram feitas dentro dos valores da meritocracia. as pessoas perceberam logo quem seriam as escolhidas pela ação e consistência. as que tiveram os melhores comportamentos e resultados ficaram. No meio de 2011, o Itaú Unibanco iniciou um duro programa de corte de custos e reorganização interna para atingir o grau de eficiência que os acionistas esperavam. Como se deu a reorganização interna? Quando você anuncia a integração de dois bancos grandes, todo mundo pensa no grau de redução de custos que pode obter e na elevação de escalas. Como falei, começa com dois presidentes que viram um só. dois contadores que viram um. todas as sobreposições começaram a ser reduzidas a uma. e as partes tecnológicas de dois centros de processamentos de dados que viraram um. não precisa pagar dois softwares para a microsoft. tem uma série de ganhos de eficiência que é possível obter uma vez atingida a total integração. a primeira pergunta que os analistas e investidores fizeram foi exatamente esta: quanto você vai economizar? a gente nunca quis dar um número, pois sabíamos que, primeiro, tínhamos de trabalhar na integração. a eficiência seria buscada num segundo momento. e foi isso que fizemos. Focamos primeiro na integração cultural e operacional. nessa época, eu dizia e repetia: "a prioridade número 1 do banco é a integração, a segunda é a integração, e a terceira, também".


Quanto tempo levou para finalizar a integração e começar a pensar nos cortes e ganho de eficiência? 
Foram três anos terminados no fim de 2011. eram milhões de detalhes e milhares de clientes e funcionários envolvidos. os planejamentos eram bem complexos. Hoje estamos totalmente zerados com a integração. toda a atividade do banco está em um único sistema. acho que fizemos com competência, machucando muito pouco os clientes. Quando estávamos terminando a integração (algumas áreas finalizaram antes que outras), começou o processo da busca da eficiência. o itaú tinha um nível de eficiência melhor do que o unibanco. na fusão, pioramos — e estamos voltando agora a ter o nível pré-fusão.



"É uma tremenda desonestidade não dizer quando a pessoa precisa melhorar. Esse [o hábito de dar feedback] está sendo um trabalho difícil de implantar"

Qual é a medida de eficiência que o banco usa?É basicamente assim: para gerar 100 reais de receita, quanto eu preciso gastar com água, luz, gente? 


De acordo com esse exemplo, o Itaú tinha qual nível de eficiência antes da fusão? 
Era mais ou menos 45. Hoje estamos quase chegando a 41. 


Com relação às pessoas, como é feita a avaliação do desempenho profissional? 
Hoje todos os diretores, vice-presidentes e todos os funcionários têm metas para buscar durante o ano. e todos são avaliados em torno dessas metas — se foram atingidas ou não. as remunerações e os bônus virão em função desses objetivos. além disso, avaliamos como se chegou, ou não, à meta. a pessoa chegou chicoteando funcionários ou motivando a equipe? É bem diferente. além da pesquisa de clima, falamos individualmente com os profissionais, numa sondagem que chamamos de 360 graus. isso é feito com um maior grau de detalhes para o nosso time top, que são os 700 profissionais que decidem pelo banco. a combinação da avaliação de entrega de resultados com alinhamento cultural faz com que cheguemos aos 30% mais bem avaliados. Fazemos isso no nível de direção e nos níveis logo abaixo. Todo esse processo toma tempo e investimento muito grande da empresa. Mas é fundamental.


Essas pessoas são premiadas? 
Só as pessoas que estão dentro desses grupos dos 30% são elegíveis a promoções. Quem está fora não será promovido. E cada um sabe em que nível ficou — se está entre os melhores ou os piores. Recebe também o feedback da avaliação que ouviu de colegas, subordinados, chefes e conselheiros, mostrando o que é preciso ainda desenvolver. Isso é importante, porque os profissionais deixam de ter ilusões ao achar que estão muito bem quando não estão. Quase ninguém tem coragem de dizer quando você está indo mal. É difícil. Mas ao mesmo tempo é uma tremenda desonestidade não dizer que alguém precisa melhorar. Esse [o hábito de dar feedback] está sendo um processo difícil de implantar, pois começou do zero. Mas estamos fazendo um esforço nessa direção. Além disso, em todas as faixas, mas especialmente para diretores, superintendentes e gerentes, todas as promoções são avaliadas por um comitê. Não tem mais o poder absoluto do chefe, que promove, ou não, alguém. E outra coisa, o cara que está entre os 30% melhores é um recurso da organização. O que o torna disponível a outras áreas estratégicas do banco. Qualquer um pode se dirigir a um subordinado de outra área que está sujeito a promoção e propor que ocupe uma posição estratégica em sua área. Esse profissional não está preso a uma área, a uma carreira ou a um chefe. Ele está vinculado à organização em que trabalha. 


O programa, com essa forma, funciona desde quando? 
Desde o ano passado. 


O que o senhor faz quando não está trabalhando? Quais são os seus hobbies? Eu gosto de futebol e de música. 


De que tipo de música?
Rock. as bandas dos anos 60 e 70 para mim continuam sendo as melhores. apesar de as minhas filhas me apresentarem os novos, eles não são tão bons assim. Não têm a mesma energia e criatividade. São momentos diferentes. acho que os anos 60, 70 foram épocas, culturalmente falando, de grandes transformações. E isso aparece na arte. a música e o teatro daquela época eram muito bons. Hoje está tudo muito pasteurizado.


O senhor costuma assistir aos shows de rock? 
Sim. Fui ao do Paul McCartney, no ano passado, e fui ver o Roger Waters. Foi a segunda vez que vi o show dele. Nesse caso, não é só um show — é um espetáculo. o visual é muito bonito. a ideia, o conceito, é espetacular. Não surgiu nada de novo para se sobrepor a isso.


O que está lendo? 
Neste momento, um livro técnico sobre dois economistas famosos, [Joseph Alois] Schumpeter e [John Maynard] Keynes. São duas escolas econômicas muito diferentes, bem opostas. [O livro a que Roberto se refere é Keynes, Hayek, the Clash That defined Modern Economy, de Nicholas Wapshott.] 


Há um guru que o inspire? 
Não tenho nenhum guru. Não acredito nessa ideia. Tenho, sim, admiração por economistas como Keynes e Schumpeter, que deram contribuições ao mundo das finanças. 


O que o senhor acha que é determinante para o jovem que inicia carreira? 
Eu sempre falo para o jovem que quer trabalhar aqui que só venha se já tiver pesquisado sobre o banco, se já leu e concordou com os nossos valores. Eu sou daquele tipo que acredita que o cara tem de acordar de manhã feliz para vir trabalhar. Tem de fazer o que gosta. Se você não descobriu o que gosta de fazer, continue procurando. você vai passar sua vida fazendo o que escolheu fazer. Se não tiver motivação e prazer, vira um inferno. Eu procuro olhar muito a motivação e o engajamento dos jovens. a partir daí, avalio o potencial de carreira deles. Também acho que a boa formação é muito importante e vai levá-los até um certo nível da organização. 


Que nível é esse? 
Eu diria que todo engenheiro da Escola Politécnica da uSP, provavelmente, chegará a gerente e superintendente aqui dentro. dificilmente pela formação não chegará até esses pontos. Mas, daí para a frente, a formação vai tendo muito menos peso. o que começa a contar são características da personalidade, estilo de liderança, atitude, capacidade de motivar equipes, transparência e perseverança. Não há glamour em ser executivo. o executivo tem uma rotina infernal. 


Como o senhor, que é uma pessoa muito pragmática, avalia características que são subjetivas? 
É difícil. Tem coisa que não precisa explicar. Quando você vê alguém com raciocínio legal, que tem estilo de liderança, além de boa formação, identifica na hora. a boa formação, por exemplo, é absolutamente necessária para chegar à liderança, mas não é o suficiente para manter a posição. 



O senhor tem facilidade em lidar com pessoas?
Eu gosto muito de lidar com gente. E uma coisa muito interessante é que, na minha carreira, eu me formei engenheiro, sou uma pessoa tímida, mais para o introvertido. Sempre me vi como um cara técnico. E aí, num determinado momento da minha carreira, fui empurrado para a área comercial, onde tive a oportunidade de aprender a me relacionar. Foi um marco para mim.





Quem o empurrou? 
Carlos da Câmara Pestana, que foi presidente do banco antes de mim. Ele insistia muito que eu tinha de ter uma experiência na área comercial, enquanto eu queria a tesouraria do banco e as áreas mais técnicas, de controladoria. Ele insistiu muito porque é na área comercial — e ele tinha razão — que estão os clientes. Eu tinha de conhecê-los. Mas eu era técnico, e na área comercial você tem de ter a capacidade de liderar equipes e entender o cliente e suas necessidades. Ter feito engenharia na Poli não me ajudou em nada. A questão da relação com as pessoas começou a pesar. Eu era relativamente jovem, 28, 30 anos, e para minha surpresa foi uma grande realização perceber que eu tinha certa capacidade de liderar pessoas. Eu pensava, até então, que a liderança era uma coisa de líder carismático, que sobe no palco, faz um shazam e faz acontecer. E não é nada disso. Há vários estilos de liderança e percebi que as pessoas gostavam de trabalhar comigo. 


Esse era um fantasma que o senhor tinha? 
Não era um fantasma porque eu nem achava que era necessário ser líder. Mas foi uma surpresa ter me descoberto dessa forma. Foi uma realização pessoal sentir que interajo bem com as pessoas. É uma sensação muito boa — perceber que você tem uma boa liga é uma coisa gostosa. Que você pode ser do jeito que é e ser bem entendido. Foi algo bacana e muito importante na minha carreira. Essa experiência me mostrou que, se você não souber motivar as pessoas em torno de um projeto em uma empresa desse tamanho, não acontece nada. Foi um aprendizado importante para mim.

Isso mudou a sua forma de se comunicar com as pessoas?

Eu nunca consegui deixar de ter um discurso meio quadrado. ninguém vai simpatizar com frases que eu vou falar, nem vai escrevê-las na parede, nem vai chegar em casa e repeti-las para a esposa. não é o meu estilo de liderança. sou muito mais pela consistência, transparência, honestidade de propostas e propósitos e pela atitude. Eu acho que as pessoas gostam de trabalhar comigo por essas características. não porque eu vou subir ao palco e fazer chover. Eu não sei fazer isso. 


Há pouco mais de um ano, o senhor enviou um e-mail para todos os funcionários pedindo para deixarem de chamá-lo de doutor Roberto. Houve uma mudança na forma como as pessoas o veem?
Meu pai era muito rigoroso. Um homem de enormes qualidades, muito inteligente, mas muito duro, exigente e severo. Eu diria que eu sou reflexo da educação que recebi. Ao longo da vida acho que fui ficando mais leve. E curiosamente meu pai também foi ficando mais leve. E aí você vai percebendo que a vida não é branco e preto. Tem o cinza, tem as razões pelas quais você tem de fazer certas coisas, sem deixar de entender o que é certo ou errado. Nesse sentido, eu acho que fui me tornando mais humano, mais compreensível. Abolir o doutor foi uma forma de me aproximar das pessoas. Senti que a proximidade era importante. Essa história de doutor existia no banco antes de eu entrar. Todo diretor era doutor. Era aquela coisa de usos e costumes. Sem perguntar a ninguém, eu resolvi mandar um e-mail: "No meu caso, não precisa me chamar mais de doutor". E é evidente que essa atitude se multiplicou. As pessoas relaxaram e não chamam mais ninguém de doutor. Ficou em desuso. Claro que isso reforça a questão da transparência e da atitude. 


O processo sucessório é árduo e sensível para qualquer empresa. Como estão conduzindo essa questão internamente? 
Eu costumo dizer que vou sair depois da Dilma. Meu prazo de validade pelo estatuto do banco [aos 60 anos de idade] me leva a sair logo depois dela.


Como o senhor está se preparando para essa saída? 
Tenho certo chão para andar. Não é que eu vou deixar de ser presidente do banco e ir morar no Taiti. Não vou sumir. Eu pretendo continuar muito próximo do banco, no conselho. Vou continuar acompanhando de perto tudo o que está acontecendo com grande interesse. De qualquer forma,na questão da sucessão, o banco tem um processo de governança bem estruturado, e isso vai acontecer na hora em que tiver de acontecer. 


A alta direção já tem o nome dos possíveis sucessores definidos?

Temos, sim, as pessoas que podem assumir essa posição.


Como o senhor se preparou para ser presidente do banco? 
Sinceramente, eu nunca pensei que fosse ser presidente do banco. Eu não tinha essa ambição. Eu nunca tive atitude de quem queria ser presidente de um banco. E acho que isso me ajudou. Porque, no fundo, você tem um projeto que é o projeto do banco. Não era o meu projeto. 


Isso cria angústias, frustrações e incerteza ao longo da carreira? 

Sim, sem dúvida. Tive momentos de muita angústia. Muita solidão. A gente aprende a viver e a enxergar que nem tudo são flores.


O senhor se considera um executivo workaholic? 

Eu trabalho bastante, mas também tenho a minha vida pessoal bem preservada. não trabalho em casa. não levo coisas para casa. tiro férias... 


A família não reclama?
É raríssimo eu trabalhar depois que saio do banco. a família não reclama. bem, de vez em quando eu levo alguma coisa para ler em casa. 


O que deixa o senhor bravo em uma reunião de trabalho? No dia a dia, o que o tira do sério? 
O que me deixa irritado é quando as pessoas não têm a indignação que deveriam ter diante de certas situações. Às vezes vejo coisas absurdas acontecendo, e ninguém faz nada. 


Nessas horas o que o senhor faz? É duro na repreensão? 
Eu dou bronca. eu sou duro. mas sempre de forma respeitosa. não desrespeito ninguém. e já pedi desculpas algumas vezes por achar que passei do ponto. 


No ano passado, o Itaú foi reconhecido publicamente na divulgação da pesquisa do Reputation Institute [que publica anualmente um estudo com as empresas mais reputadas segundo critérios de desempenho financeiro, inovação, ambiente de trabalho, liderança, produtos e serviços, cidadania e governança]. 
O Itaú superou concorrentes no país como Banco do Brasil, Bradesco e Santander. Isso influenciou na imagem do banco? eu acho que é um reconhecimento, embora o banco não trabalhe pensando em ganhar prêmios. a visão que a gente tem hoje, e que foi reforçada a partir da fusão, fala em performance sustentável. Queremos ser líderes em performance sustentável e em satisfação do cliente. 


"Sinceramente, eu nunca achei que fosse ser presidente. Eu não tinha essa ambição. Isso ajudou porque eu tinha um projeto maior, o do banco" 


O que significa ser sustentável? 
Tem a ver com os critérios de sustentabilidade de quem pede dinheiro emprestado? também. isso não quer dizer que vamos ficar abraçando árvore. nós somos banco, o que queremos é tornar o negócio sustentável. não estamos fazendo nada pensando só no próximo mês ou ano. para mim, o itaú é meio eterno. então a gente tem de construir isso. não dá para fazer nada no curto prazo que seja ruim no longo prazo. 


O que o senhor quer dizer com isso? 
Ter uma política de preços agressiva, por exemplo, no curto prazo pode ser bom, mas no longo prazo estarei destruindo a marca. um produto financeiro não pode ser bom para o banco e ruim para o cliente. ou bom para o cliente e ruim para o banco. em qualquer uma dessas situações, esse produto vai acabar. se não oferecer certa rentabilidade para o banco, ele vai descontinuar. se não for algo bom para o cliente, uma hora ele vai perceber isso.


Já que a preocupação com os interesses dos clientes é alta, dá para concluir que os juros vão abaixar?
Os juros vão abaixar na medida do que é possível. o banco tem custos de captação para fazer empréstimos para os clientes. eu pago juros no depósito. e tenho de ter uma margem em cima do depósito que me permita atingir um certo nível de rentabilidade. 


Mas essa rentabilidade hoje já não é satisfatória?
Veja bem, entre o que estou pagando no depósito e o que vou cobrar do cliente, tenho de pagar 110 000 funcionários, 5 000 agências, comprar computadores, software. tudo isso custa uma barbaridade e tem de estar dentro do chamado spread, a diferença entre o custo de captação e do empréstimo do dinheiro. tem ainda o depósito compulsório do banco central e os impostos. são todos os custos que tenho para poder fazer um empréstimo. sem esquecer a margem de lucro do banco. obviamente, eu não falei do mais importante, que é o risco. os que pagam pelo empréstimo estão pagando pelos que pagam e por quem não paga, os inadimplentes. então, temos a questão do risco, que precisa ser bem equalizada. 


Qual seria a saída? 
No brasil, tem um monte de coisas que precisam ser melhoradas — e não há fórmula mágica. tem muitas ideias que dá para discutir, muitas medidas a serem tomadas para reduzir o nível das taxas de juros e eu estou ansioso pela oportunidade de propor uma série de coisas nesse sentido. 


E tem a concorrência dos outros bancos, que podem abaixar as taxas e forçar o Itaú a rever as suas. 
Sim, evidentemente tem essa questão de mercado. 


Como nosso tempo acabou, qual foi o melhor conselho que recebeu em sua carreira? 
Eu não acredito em conselho. acredito mais em fazer e ver as pessoas fazendo.

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