Enviado por Ricardo Noblat -
21.7.2012
| 9h02m
ECONOMIA
Miriam Leitão, O Globo
Não precisamos do Fundo Monetário para nada. Mesmo assim, é bom ver um relatório, como o divulgado ontem, em que o FMI aposta numa retomada em breve de um ritmo de crescimento de 4%; apoia as iniciativas adotadas diante da crise, como a política monetária que derrubou a taxa de juros fortemente. A equipe ficou aqui duas semanas. Outra ficou dois meses. Há alertas. Podemos ouvir ou não. Melhor ouvir.
Outros países, outrora mais desenvolvidos do que nós, têm que se explicar e estão com a população em protestos nas ruas. Sabemos o que é isso, mas é passado. O fundo não manda mais os arrogantes auditores de fiscalização de cumprimento de metas. Envia apenas os analistas que visitam anualmente todos os países-membros. Vêm pelo chamado “artigo IV”, que prevê essas visitas periódicas para avaliar a política macroeconômica.
Outra equipe ficou dois meses analisando a saúde dos bancos e, em breve, vai divulgar seu relatório. Para quem viu o tempo das grandes crises da dívida externa, é interessante notar a normalidade: eles entram e saem, e não são notícia. Melhor assim.
Na visão do Fundo, a economia brasileira ganhará “momentum” no segundo semestre. Vai acelerar o ritmo de crescimento, chegando a uma velocidade de 4% no último trimestre e assim ficar em 2013. Eles ainda apostam em 2,5% no ano, considerado otimista pelos analistas brasileiros.
Onde é que mora o perigo? Nós sabemos, mas eles disseram. A poupança é baixa demais para manter o ritmo adequado de crescimento. É preciso redirecionar o eixo do crescimento do consumo para o investimento. Só assim, vai se assegurar um crescimento forte e balanceado.
É preciso também, alertam, aumentar a produtividade através da redução das falhas na infraestrutura. Uma baixa taxa de poupança com um crescimento baseado no consumo, mantido em parte pelo endividamento, aumentaram o déficit em transações correntes.
É preciso também um sistema de monitoramento do crédito para evitar desequilíbrios. Nada que não saibamos. O país precisa investir mais, poupar mais, em vez de o governo mandar os brasileiros se endividarem mais. O custo da dívida das famílias com financiamento é maior do que em muitos outros países.
Um dos gráficos do relatório do FMI mostra um descompasso que pode gerar desequilíbrios: a confiança dos consumidores permanece alta; a dos empresários está em queda. Empresário desconfiado não investe.
O governo ficou satisfeito com o relatório do FMI. No geral, é muito positivo às políticas macroeconômicas. Particularmente, acho que eles subestimam riscos fiscais associados à construção de um mecanismo parafiscal de despesas via BNDES.
No parágrafo 17 do texto de 82 páginas, o Fundo afirma que o governo tem mantido o superávit primário de 3,1% do PIB, mas ao mesmo tempo, tem feito transferências anuais de 1,25% do PIB para o BNDES. Mesmo assim, se for mantido o superávit primário, a dívida/PIB pode cair de 65% para 55% até 2017.
O FMI trabalha com o conceito de dívida bruta; aqui, o governo costuma apresentar apenas o da dívida líquida, que está em torno de 40%, mas o conceito usado pelo mundo inteiro é esse que dá 65% de dívida. De qualquer maneira, fica clara a importância da manutenção do superávit primário, que produzirá uma queda de dez pontos percentuais na dívida em cinco anos.
O FMI elogia a ação do Banco Central, muito criticada à época, de começar a redução das taxas de juros em agosto do ano passado. Muitos analistas afirmaram — inclusive eu — que a queda dos juros naquele momento era um enorme risco, já que a inflação estava muito acima do teto da meta. O que os fatos comprovaram depois é que o Banco Central tinha visto, antes dos analistas e dos jornalistas, o aumento do risco externo.
No final do ano passado, a crise europeia agravou-se fortemente e isso derrubou a atividade, acentuando a queda da inflação que já era prevista. Ainda assim, a meta só foi cumprida, como disse ontem aqui, com adiamento de reajustes de preços sobre os quais o governo tem controle. Não é, claro, a melhor forma de ficar dentro do intervalo tolerável para a meta.
O Fundo acha que o Brasil é vulnerável aos efeitos da crise externa, porque existem importantes canais de contágio, como as condições de financiamento externo mais difíceis e a queda dos preços das commodities. Vê também risco inflacionário como impacto da desvalorização do real, que já é de 25% quando comparado com julho do ano passado.
O banco sugere algo que é pedido por dez em cada dez contribuintes brasileiros: uma reforma que torne o sistema tributário brasileiro menos “opressivo pela sua complexidade”. O sistema aumenta o custo de fazer negócios no Brasil. O Fundo aprovou as medidas de intervenção no mercado de câmbio, como a cara acumulação de reservas e até o controle da entrada de capital através do IOF.
Nós mudamos, mudaram o mundo e o Fundo. Há muitos países com problemas mais agudos do que o Brasil. Por isso, merecemos os elogios. O foco deveria ficar nos recados: poupar mais, investir mais, reduzir a opressão de um sistema tributário complexo e tomar cuidado com o crescimento induzido pelo aumento da dívida das famílias.
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