quarta-feira, 6 de junho de 2012

MEMÓRIAS DE UMA GUERRA SUJA - Encontro com a banalidade do mal


Por Alberto Dines em 05/06/2012 na edição 697 Observatório de Imprensa

 O livro Memórias de uma guerra suja foi lido numa madrugada, sem interrupção. A impressão que ficou do relato dos repórteres Rogério Medeiros e Marcelo Netto sobre o matador Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS de Vitória, foi a de um burocrata, matador frio, implacável, algo cínico. Também poderia ser um iluminado pela fé que busca a misericórdia divina.
São as mais tenebrosas confissões da história recente do Brasil. O homem que perpetrou tantos assassinatos e cremou tantos cadáveres de presos políticos, no entanto, afirma: “Sou contra a tortura, nunca torturei”. Executou mais de vinte, ainda não sabe ao certo.
Os autores do livro foram ao programa de TV do Observatório da Imprensa em 22 de maio (ver aqui) e, no estúdio, Rogério Medeiros prometeu uma aproximação com o matador. Na segunda-feira (4/6), num apartamento nos arredores de Vitória, um sujeito atarracado, barrigudo, manso e cujo sotaque mineiro torna sua aparência mais pacata, disse que não tem medo de morrer. Sabe muito mais e contará tudo à Comissão da Verdade.
Contra a distensão
Aos 71 anos, sérios problemas de saúde – diabetes, gota, coração – transpira muito, parece ter falta de ar. No peito, um distintivo com as armas da República sugeria um velho hábito policial. Negativo: é obutton da Assembleia de Deus (foi diácono, estudou teologia, agora é pastor). Carrega uma grande bíblia muito manuseada. Conhece as escrituras, mas quando explica o funcionamento da “irmandade” não prega, é um informante. Prático.
Uma força-tarefa do Ministério Público Federal já esteve com ele nos dias 28 e 29 de maio últimos. Com a Polícia Federal visitou três desovas de cadáveres em diferentes estados. Esperava que a imprensa fizesse mais barulho, só ela poderá convencer outros matadores e agentes da repressão a falar. Esta é a sua missão: desenterrar o horror.
Diz isso com simplicidade, sem retórica: atirava para matar, foi treinado para isso, estava a serviço da linha-dura (a “tigrada”), contra a distensão política. Os comunistas precisavam ser exterminados, mesmo sendo contra a luta armada, para convencer o povo que a ditadura era necessária.
Este observador esperava encontrar um Eichmann, burocrata da morte, odioso. Depois de duas horas de conversa esbarrou em Hannah Arendt e a banalidade do mal. Intacta. 

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