quinta-feira, 14 de junho de 2012

A imprensa e o Santo Daime


12/06/2012 na edição 698 - Observatório de Imprensa

Santo Daime: por trás de um estigma, de André Penteado Ricci e Yarin Kurkdjibachian, ed. Rima, 2012, 90 pp., São Carlos, SP
[do release da editora]
No dia 12 de março de 2010, a religião do Santo Daime virou manchete no país, seja na televisão, no rádio ou na internet. No dia seguinte, estamparia os principais jornais. E, em seguida, o assunto seria aprofundado, discutido e rediscutido por grandes revistas. Os editores não estavam, no entanto, interessados em contar a história da doutrina, mas sim, em cobrir a morte do cartunista Glauco Vilas Boas, de 53 anos, famoso pela publicação de charges com diversas temáticas no jornal Folha de S.Paulo e praticante da doutrina. Ele e o filho Raoni, de 25 anos, foram assassinados na casa deles, dentro de uma comunidade daimista em Osasco, na grande São Paulo.
Naquela noite, Glauco estava em casa quando foi surpreendido pelo jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, de 24 anos, acusado do assassinato. Segundo relatos publicados na imprensa, o jovem teria ido até o cartunista em busca de ajuda, pedindo que Glauco dissesse a seus pais que o filho era Jesus Cristo. Agitado, o jovem teria agredido o cartunista e sua esposa, Beatriz Galvão Veniss, de 50 anos, que também estava na casa.
Carlos Eduardo, que já havia frequentado a comunidade religiosa “Céu de Maria”, presidida pelo cartunista, ameaçou se matar, sendo impedido pelas palavras de convencimento de Glauco, que teria cedido e concordado em conversar com a família do jovem. Ao sair da residência, a dupla teria deparado com Raoni. O rapaz, assustado ao ver o pai sujo de sangue após as agressões do acusado, teria tentado intervir e acabou morto, junto com o pai, a tiros. Quatro disparos contra cada um, que colocaram a religião Santo Daime em evidência em todo o país.
Olhares diversos
Na época, Carlos Eduardo disse à polícia que estava sob efeito do chá ayahuasca, tido por muitos como droga e utilizado para fins religiosos por adeptos da doutrina do Santo Daime. O pai do acusado, Carlos Grecchi, ajudou a sustentar na mídia a versão de que o chá havia influenciado o crime e teria contribuído para piorar a situação do filho, que já demonstrava indícios de distúrbios mentais.
A partir desse caso, muito se discutiu e inúmeras versões foram contadas. Este livro não pretende defender ou criticar qualquer uma delas. Pelo contrário. O objetivo é mostrar que, por trás do alvoroço causado pelo assassinato, existem visões diferentes sobre a religião circulando na sociedade brasileira. Gente que acredita e segue os preceitos pregados pelo Santo Daime, lutando contra o preconceito estabelecido por conta do assassinato; gente que expõe sua opinião mesmo sem conhecer a religião; gente que observa e leva o assunto para as páginas dos jornais e revistas. Todas essas ajudarão a elaborar a reportagem que compõe esta obra. Para garantir que elas sejam as mais sinceras possíveis, as identidades dos entrevistados não envolvidos diretamente com o tema serão preservadas. Serão divulgados os nomes dos personagens cujos depoimentos ajudam na compreensão das características da religião, como adeptos do Daime e profissionais que fornecerão informações relevantes para a confecção do livro.
Apesar de a morte de Glauco ser o nosso ponto de partida, o foco não será, necessariamente, este, mas sim, o aspecto religioso do chá ayahuasca. Depoimentos de adeptos, leigos, especialistas, advogados, médicos e jornalistas foram reunidos para que se busque uma compreensão de como se dá o uso do chá pelos adeptos do Santo Daime, vertente pouco explorada pela mídia por ocasião do crime – que, aliás, é considerado um fato isolado pelos praticantes da religião. Dessa forma, será possível confrontar, comparar, fazer dialogar diversos olhares sobre o tema com a abordagem do uso do chá feita pela imprensa.
Vozes e visões
Paralelamente à religião, existem, por exemplo, estudos científicos em curso acerca dos componentes encontrados nas plantas que dão origem à ayahuasca e que, segundo os praticantes do Daime, poderiam comprovar que o chá não foi o motivador da morte do cartunista. Um desses estudos demonstrou, ainda que de forma preliminar, os benefícios do chá em tratamentos de ordem psíquica. A pesquisa, desenvolvida na USP (Universidade de São Paulo), campus de Ribeirão Preto, reduziu problemas crônicos decorrentes da depressão em duas mulheres e se mostrou eficaz, também, em outros seis pacientes, de acordo com o professor e pesquisador Jaime Eduardo Hallak, do Departamento de Neurociência e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina, que coordena o estudo.
Vozes e visões diferentes, opiniões diversas, histórias vividas por quem acredita – ou não – no chá serão, então, a partir de agora, o fio condutor das páginas seguintes de Santo Daime – Por trás de um estigma.

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