Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel -
17.4.2012
|15h00m
COLUNA NO GLOBO
A capacidade da Argentina de errar parece ilimitada. Em pleno século XXI, uma medida que lembra o peronismo dos anos 1950 foi anunciada com um discurso também obsoleto pela presidente Cristina Kirchner: a expropriação da YPF. Isso colocará uma pulga atrás da orelha de todos os investidores, inclusive empresas brasileiras que estão lá, como a Petrobras. E não apenas nessa área.
A Repsol e o governo vinham se desentendendo. A empresa espanhola que controla a petroleira argentina reclama - junto com todas as outras - do controle de preços que faz baixar muito a rentabilidade do negócio. O governo protestava contra a falta de investimento da companhia e o fato de que depois de muitos anos a Argentina passou a importar petróleo.
Segundo dados do FMI, a balança comercial argentina no setor de petróleo começou a ficar deficitária no ano passado. As exportações praticamente não cresceram nos últimos 10 anos, as importações aumentaram. Em 2001, as vendas de petróleo da Argentina foram de US$ 4,7 bilhões e as importações de US$ 0,8 bi. Em 2011, o país exportou cerca de US$ 5 bilhões e importou US$ 8,2 bilhões. A explicação das empresas para a baixa produção no país é a política interna de remuneração muito abaixo do preço internacional.
Há inúmeras formas de intervir na economia dentro das regras do jogo. O governo tem o poder de regulação, o que não é pouco. Mas a Argentina resolveu ir por um caminho que a coloca em choque com a Espanha e a União Europeia, além de quebrar a confiança dos investidores.
O presidente da Repsol, Antonio Brufau, esteve durante toda a semana passada na Argentina à espera de uma audiência com a presidente. Ela não o recebeu, e ele se reuniu com o ministro Julio De Vido, do Planejamento, e o vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, quando teria ouvido que a empresa não seria expropriada. Ontem, o governo anunciou exatamente esses dois nomes - De Vido e Kicillof - como interventores na YPF. Ou seja, tudo estava decidido bem antes.
A expropriação não poderia ter vindo em pior hora para os espanhóis. O governo sofre pressão para se financiar, com os títulos públicos pagando as taxas de juros mais altas dos últimos quatro meses. Nas ruas, há protestos contra cortes de gastos, o desemprego se mantém acima de 20%, e entre jovens a taxa supera 50%. O ministro da economia já admitiu que o país entrou em recessão no primeiro trimestre, antecipando dado que só será divulgado no final do mês.
Como sempre acontece em rompantes de populismo, Cristina Kirchner fez discurso cheio de bravatas. O problema é que isso convoca os brios nacionalistas, e em qualquer país acaba arrebatando apoio. A conta acaba sendo paga pelo próprio país. Kirchner decidiu seguir o caminho de Hugo Chávez, que tem custado tanto à Venezuela em termos de baixo crescimento, fuga de capitais, inclusive de investidores nacionais.
Para justificar a decisão, a presidente alegou que o Brasil tem 51% da Petrobras. Tem sim, mas a comparação não faz sentido. A YPF foi privatizada, ela poderia recomprar a empresa em negociação com seus investidores. "Não estamos inventando nada, outros países controlam as empresas líderes do mundo", disse ela, citando Noruega, Rússia e China. O problema não é ter controle estatal na empresa, o problema é usar a força do Estado para ferir direitos, expropriar, rasgar contratos. Isso costuma ter um preço alto. Até porque a Lei que expropriou a empresa não estabelece qualquer garantia para os investidores. O país entra assim num ambiente de insegurança jurídica.
A Lei de Soberania de Hidrocarbonetos, além de expropriar 51% da YPF - justamente a parte da Repsol -, cria um novo marco legal declarando de interesse público toda "produção, refino, transporte, e comercialização de petróleo e gás". Cria-se a brecha para intervenção em qualquer empresa do setor, inclusive na Petrobras, que é a terceira maior produtora e refinadora de petróleo da Argentina, com 6% e 14,1% do mercado, respectivamente.
Dias atrás, o governo cancelou uma concessão da empresa brasileira na província de Neuquén, alegando baixo investimento. No dia, a presidente da Petrobras, Graça Foster, se disse surpresa: "Temos boas relações com a Argentina e estávamos avaliando oportunidades futuras no país." Vale lembrar que, quando atingido por ações como esta, o Brasil prefere encontrar solução negociada. Em 2007, a Bolívia expropriou duas refinarias da Petrobras, mas a empresa brasileira nem tinha grande interesse no negócio. Apenas negociou indenização. Na Venezuela, a estatal brasileira preferiu vender seu negócio antes que ele fosse estatizado.
Como era previsível, a Espanha decidiu recorrer a tribunais internacionais. Isso prenuncia uma longa briga, mas nos últimos dias o governo e autoridades europeias ameaçaram retaliar o país em caso de rompimento das negociações. O embaixador espanhol foi chamado a Madri, e houve reunião de emergência com a presença do presidente espanhol, Mariano Rajoy.
Enquanto isso, no Brasil, a presidente da Petrobras estava reunida com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, falando de cooperação entre os dois países na área de petróleo. Com atitudes como essa, da Argentina, o Brasil se destaca cada vez mais como país confiável para investimento. Os argentinos estão cavando mais fundo o próprio buraco, quando o governo poderia conseguir o mesmo objetivo através de mecanismos de mercado.
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