sábado, 28 de janeiro de 2012

Tragédia de erros


A reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, foi a materialização da mais completa tragédia de erros ocorrida nos últimos tempos. Em diversas frentes:

1) O governo estadual seguiu a ordem judicial, como lhe cabia fazer, sem tomar o devido cuidado prévio de criar as mínimas condições materiais e humanas para acolher os desabrigados e proporcionar-lhes condições decentes de sobrevivência. A Prefeitura Municipal de São José dos Campos divide com o governo estadual o troféu de omissão e incompetência.
2) O governo federal, através do seu coroinha das boas causas, o ministro Gilberto Carvalho, correu a criticar a ação da reintegração de posse, dizendo que teria sido melhor agir de outra forma, sem dizer qual seria essa outra forma (desobedeceria a ordem judicial?). Mais uma vez, como ocorreu no episódio da Cracolândia, insinuou que o governo federal teria uma solução pacífica e boa para todos, guardada em alguma gaveta. Não disse qual seria a solução e muito menos porque ela não saiu da gaveta para ser posta na mesa.
3) A imprensa, desde o primeiro momento, não foi sequer capaz de noticiar com precisão e muito menos de esclarecer o que significava o conflito de jurisdição entre a justiça federal e a justiça estadual em torno da ação de reintegração de posse. Nos primeiros momentos da ação policial na área ocupada, a impressão que se tinha era a de que a PM estava descumprindo a ordem da justiça federal e agindo arbitrariamente por decisão própria. Além de não conseguir sequer acompanhar cronologicamente a sucessão de ordens e contra ordens da Justiça, a imprensa foi incapaz de contextualizar a própria situação do Pinheirinho, de explicar qual é a origem da posse da área, como foi que o megaespeculador Naji Nahas se tornou seu dono, de quem a comprou, quando e como a comprou , o que é uma massa falida, quais são os direitos de uma massa falida, qual é o valor da área, de como se deu a ocupação da área por aquelas pessoas, quais foram as tentativas de acordo entre as partes envolvidas durante os 8 anos de ocupação. A imprensa tampouco foi capaz de dimensionar o verdadeiro papel do líder do acampamento, o diretor do sindicato dos Metalúrgicos, Valdir Martins de Souza, o Marrom, militante do PSTU, na história do conflito e nas frustradas tentativas de acordo.
4) As chamadas “redes sociais” contribuíram notavelmente para a infantilização do debate sobre a ação de reintegração de posse, dando livre curso a um debate ideológico obscurantista e a um constrangedor festival de desinformação, com alguns lances patéticos de má-fé e ignorância factual sobre princípios básicos que regem a ordem jurídica do País. Para uma boa parte da simplória militância ideológica de esquerda, tratou-se simplesmente de uma maldade do governador tucano, que tomou a terra dos pobres para entregá-la de volta ao ricaço Naji Nahas, que , evidentemente, deve tê-la roubado de alguém. Na cabeça da torcida instalada na arquibancada ideológica, uma ação tão truculenta só poderia produzir vítimas. Na falta de um massacre concreto, inventou-se um, e um advogado dos invasores, falando em nome da OAB, desandou a denunciar mortes que não aconteceram. E a agência oficial de notícias do governo, irresponsavelmente, espalhou a notícia pelo país, sem dar-se ao trabalho de checar se era verdadeira ou não. No dia seguinte foi só publicar: o advogado fulano de tal não confirmou as mortes que ele divulgou ontem. Vida que segue, como se nada tivesse acontecido.
 Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br

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