terça-feira, 31 de janeiro de 2017

CRÔNICA DO BAURU (Excelente crônica)

Magu
Magu
Mentor Neto
Mentor Neto

Bauru é um sanduíche brasileiro inventado por Casimiro Pinto Neto, assim chamado em referência à cidade natal (Bauru) do criador, no restaurante  Ponto Chic do Largo do Paysandu, nº 27 (SP),  em 1937. (Mas o restaurante foi inaugurado na Semana de Arte Moderna, 1922). O sanduíche logo se tornou popular e foi batizado com a alcunha de seu criador. Casimiro era estudante da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e ele e seus colegas eram assíduos frequentadores. Depois reduto dos estudantes esquerdinhas pós 1968.
Ali conheci Ciro Monteiro, o sambista da caixinha de fósforos.

A receita original de Pinto Neto acabou sendo oficializada pela lei municipal 4314, de 24 de junho de 1998, aprovada pela câmara dos vereadores de Bauru. Consiste em um pão francês sem miolo, com fatias de rosbife, de tomate, de picles e uma mistura de queijos prato, estepe, gouda e suíço derretidos em banho-maria, apenas com sal como condimento.
Uma verdadeira experiência gastronômica, que comia desde a década de 1950. Depois, em 1978 abriram filial nas Perdizes, no Largo Pe. Péricles, 139 e em 1986, na Pça Oswaldo Cruz, 26, comecinho da Paulista. Todos sempre com o ainda ótimo chopp Brahma. Parabéns à Imbev por não ter mudado o sabor.

No sanduíche há variações. Na minha juventude, quando se entrava numa padaria qualquer e se pedia um bauru, o funcionário botava na chapa quente duas fatias de presunto (naquela época não existia o horroroso apresuntado), depois botava duas fatias de queijo prato por cima, cobria com uma tampa. Quando pronto, era encimado com duas grandes fatias de tomate, um fio de azeite (também bom, pois não existia azeite falsificado) uma pitada de sal, botava metade de um pãozinho francês por cima, passava a espátula por baixo, levantava tudo e colocava a outra metade do pão. Eu não deixava cortar o sanduíche no meio, pois achava uma frescura. Nada como segurar nas mãos o sanduba inteiro, e o copo de cerveja do lado, de uma meia cerveja premium mineira chamada Ouro Fino, um must. Não era difícil comer dois. Às vezes, 3 desses.

Mas chega de falar em sacanagens e vamos à crônica do Mentor Neto, na Isto É do aniversário de SP.


O POVÃO NÃO VAI AGUENTAR
1932
Casimiro entrou e não cumprimentou ninguém, irritado.
 Um chope com exatos dois dedos de colarinho pousou diante dele. 
O advogado e jornalista sacou um bloquinho e se pôs a redigir copiosamente.
 Meia hora depois, Pérsio chegou com seu bigode finamente aparado sobre o lábio superior sorrindo para as francesinhas na mesa dos fundos.
 Deu um tapa nas costas do Casimiro. 
– Que que há, Bauru? – Como todos, chamava Casimiro pelo apelido da São Francisco. Homenagem a sua cidade natal.
 – Há que o povão não vai aguentar, Pérsio. Vargas quer governar por decreto!
 – Para com isso, homem. Olha as moças que esse mau humor passa – Pérsio mirava beijos com um biquinho melado.
 – Juvenal! – Casimiro, ignorando o amigo, chamou o garçom – você me corte uma baguete e bota dentro rosbife, tomate, pepino, queijo prato, suíço e o que mais tiver aí de queijo.
 – Agora gostei! Juvenal, me veja um igual ao do Bauru. – acompanhou Pérsio.

1968

Os alunos da Engenharia estavam sentados ao redor da mesa de mármore, conspirando aos cochichos.
 Ronaldo era o mais efervescente. 
– Batata. A coisa vai explodir se os milicos não aliviarem. 
– O povão não vai aguentar.
 – Precisamos nos organizar! – Lúcio concordou enfático.
 Falabella fez que sim com a cabeça.
 – Ô Juvenal! Traz uns baurus aqui para nós! – ordenou o rebelde mais robusto.


1984
Os jovens ruminavam baurus enquanto conversavam.
 – A gente tem que ir para as ruas! – engasgou o primeiro. – Diretas Já! – ergueu a mão oleosa o segundo.
 – Senão o povão não vai aguentar!
 – Ketchup por favor, seu Juvenal!

1992
Uns dez estudantes entraram gritando: 
“Ai, ai, ai, ai, se empurrar o Collor cai!!” 
Os que já estavam no restaurante acompanharam a manifestação:
 “Fora Collor! Fora Collor!”
 – O povão não vai aguentar!! Fora Collor!! – gritou um dos recém-chegados.
 – Bauru para todo mundo? – perguntou seu Juvenal, cansado.


1994

A professora de sociologia perguntou indignada:
 – Mas como assim? O bauru subiu de novo?
 – É a inflação, professora.
 – Assim não dá, seu Juvenal. Desse jeito o povão não vai aguentar.

2005
Um dentista, um endócrino e um pediatra discutiam em volta dos sanduíches:
– Se ficar provado que ele sabia do Zé Dirceu, ferrou. – disse o pediatra.
 – Aí o povão não vai aguentar. – garantiu o dentista.
 – Fato. Mais um bauru, alguém? – convidou o endócrino

2015

Os dois eram amigos.
– Olha, do jeito que vai o povão não vai aguentar.
 – Que nada! Saindo o impeachment tudo melhora.
 Perderam a estribeira
 – Impeachment? Tá louco? É golpe! – gritou o de terno
 – Golpe é o cacete! – respondeu o outro, empurrando a mesa.
 Tiveram de separar.
 Mas não antes do de terno aplicar um pé de orelha no golpista.
 Voou chope e bauru para todo lado.


Ontem
Uma vez por mês os três se encontravam.
 – Foram bem de Festas?
 Todos concordaram que haviam passado bem.
 – Ótimo. Porque esse ano promete… vai ser mais duro que 2016.
 – Será, hein? Porque, pensa, se for pior – e antes que terminasse a frase, os três repetiram num coral.
– …o povão não vai aguentar.
E atacaram os baurus em silêncio reflexivo pelo resto da noite.


PS1 – O site do restaurante diz que a invenção foi em 1937. Mentor usou 1932, um engano, talvez.

PS2- O interessante e engraçado é o aviso no fim da coluna: A opinião do colunista não necessariamente reflete a posição da revista.


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