Após economizar para o tão sonhado da moradia própria, finalmente surge a oportunidade esperada e você realiza a compra do imóvel ainda na planta. A entrega não está próxima e você está ansioso, mas tudo bem, pelo menos tem uma data de entrega fixada no contrato e até lá, segue pagando as parcelas mês a mês, tudo certo.
Nem tudo… O limite para entrega expirou e a construtora, com a obra atrasada, recorre ao “prazo de tolerância”, que estava fixado no contrato e garante a ela mais 6 meses para a entrega do empreendimento.
E agora? Isso está mesmo correto?
Atraso na entrega da obra é uma das queixas mais comuns no Judiciário, levando casos até a instância máxima. Ocorre que, essa prorrogação é geralmente prevista no contrato para casos fortuitos ou de força maior, ou seja, situações que não poderiam ser previstas. Perceba que temporada de chuva, mão de obra insuficiente e material que não chegou, muitas vezes são argumentos inválidos pois caracterizam planejamento ineficiente da incorporadora.
Outro ponto que não é regulamentado é o limite de dias que pode ser estipulado como“prazo de tolerância”. Por não haver legislação específica que o defina acaba ficando por escolha da construtora qual será o adotado. Algumas fixam prazos de 90 dias, mas a maioria opta pela cláusula que delonga 180 dias à tolerância contratual para a entrega do imóvel, o que vem dividindo opiniões.
Tal prazo pode ser considerado como medida ilegal por ser um período tão longo que já não denota tolerância e compreensão, mas sim, abuso, exagero, falta de planejamento e desrespeito com o cliente.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor preza pelo princípio do equilíbrio nas relações de aquisição e prevê, no art. 51, a nulidade das disposições contratuais que:
IV – Coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Aqui a desvantagem do consumidor é clara, uma vez que, enquanto ele tem a obrigação de realizar seus pagamentos sem atraso sob risco de sanções contratuais, como multa, juros, até mesmo rescisão do contrato com perda de parte do que já investiu, a construtora se vê resguardada ao atrasar em um semestre a entrega do bem.
A jurisprudência também já vem reconhecendo essa realidade:
A cláusula que faculta à construtora o adiamento da entrega da obra por doze meses após o prazo previsto, sem qualquer justificativa para tanto, é abusiva e nula de pleno direito, por configurar nítido desequilíbrio contratual, rechaçado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
(TJ/DF – 5ª T. Cív.,Ap.Cív. nº48245/1998, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, julg.08.03.1999)
Por outro lado, muitos magistrados não reconhecem essa condição como ilegal, uma vez que está devidamente informada no contrato.
A cláusula de tolerância para entrega da obra que fixa o prazo de 180 dias não é nula, já que está redigida de forma clara e permite ao contratante ter conhecimento prévio sobre sua incidência. Não se permite, porém, o extravasamento deste período, dada a impossibilidade de se fixar cláusula aleatória.
(Desembargador relator Moreira Viegas, da 5ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP)
Sobre esse assunto, a Terceira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo editou os seguintes enunciados, trazendo a necessidade de a construtora justificar a razão que a fez adentrar nesse prazo de tolerância, antes de fazê-lo:
Enunciado nº 38.1 da Terceira Câmara de Direito Privado: Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão-de-obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos.
Enunciado nº 38.2, da Terceira Câmara de Direito Privado: É valido o prazo de tolerância para entrega do imóvel estabelecido no compromisso de venda e compra. A prorrogação do prazo inicial, entretanto, está sujeita à efetiva comprovação, pela vendedora, de fortuito externo ocorrido dento do prazo inicial previsto para a entrega da unidade.
Nesse sentido, entende-se que é legalmente possível um prazo de tolerância de 180 dias dada a falta de legislação específica para esse termo. Porém, as construtoras devem usá-lo, como pede o Código de Defesa do Consumidor, com boa-fé, atualizando seus clientes sobre o andamento da obra e planejando com eficiência, respeitando sempre o disposto no artigo 43 da lei 4.591/64.
Art. 43, inc. I – O incorporador deverá informar obrigatoriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra.
É importante ressaltar que caso o imóvel esteja atrasado, o consumidor não deve suspender os pagamentos à construtora, sob pena de uma execução judicial ou mesmo de uma ação de rescisão contratual. O adequado é buscar um advogado que tratará a solução ou mesmo indenização, nos casos devidos, de forma extrajudicial ou até mesmo judicial.
Para ajudar na solução do litígio, é útil guardar todo material de propaganda oferecido pela construtora, principalmente aquele que conste a descrição do empreendimento e a data de entrega.
Já comentamos aqui no blog um julgado que trazia a questão do atraso e a da cláusula dos 180 dias, confira aqui.
Para mais esclarecimentos, o Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (IBEDEC) disponibiliza gratuitamente no site deles, a Cartilha do Consumidor – Edição Especial Construtoras, onde são tratados temas importantes tanto para o consumidor que ainda está à procura de um imóvel, como para o que está enfrentando problemas com o contrato de compra e venda.
Por Valéria Falcomer; e
Mariana Gonçalves
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