por HIAGO REBELLO*
“(…) o que as pirâmides do Egito e sua monarquia explicam da sociedade capixaba? E os samurais? E os bárbaros germânicos do século V? Nada[1]”.
Dr. Ricardo da Costa, De que serve a História? Para nada…
A recente notícia de que o Japão teria “abolido[2]” os cursos de humanidades em suas universidades deixou muitos liberais, e até mesmo conservadores, contentes com o acontecimento. Mas o que são as humanidades? O que conseguem fazer em termos produtivos para uma nação, ou o que podem fazer de útil para a sociedade? Para que estudar a História da Literatura, ou metodologias de antropologia, em uma sociedade produtiva, e o que pode ser feito para ajudar o social?
Os defensores das matérias de cursos de humanidades, normalmente, podem expor a função social de alguns cursos de humanas, como o fato de poder conhecer melhor seu passado, condensar mais ainda o espírito de unidade e fraternidade de um povo, aprender sobre e entender outras culturas, ajudar na política, etc., contudo tais afirmações não são corretas. Não há uma produção imediata existente no caso.
Matérias relacionadas às humanidades[3], de modo direto, não têm utilidade prática. Não iremos aprender a trocar lâmpadas lendo a História da Ciência, ou a lavar calçadas pesquisando hábitos religiosos de tribos do norte da Polinésia, tampouco gerir uma grande empresa com base em seus estudos e ponderações sobre as três abstrações aristotélicas confrontadas com o naturalismo do século XIX. Nem mesmo a boa política depende de reflexões embasadas nas humanidades. O simples e prático fato de ser um bom administrador, de conhecer e compartilhar dos anseios do povo, já é o suficiente para concretizar um governo útil para a população.
Nenhum sujeito que investiu anos de sua vida em um doutorado na área de humanas tem uma funcionalidade direta na sociedade. Pilhas de livros, milhares de afirmações e postulados que se distinguem e se enfrentam, milênios de História Civilizacional, dezenas de metodologias e centenas de teorias divergentes ocupam a formação e a produção acadêmica (até mesmo no âmbito não acadêmico) efetuada por milhões de pessoas nas faculdades sobre humanidades. Não se produzem carros, energias mais baratas, uma melhor octanagem para combustíveis, soluções para retardar o envelhecimento, remédios, curas ou novos produtos que ajudariam você a conseguir trabalhar de maneira mais rentável e saudável.
Nas humanidades, hoje em dia, é complicado até mesmo aplicar o conceito deciência em certos casos. É uma tremenda bagunça envolta em altas confusões. Mas e daí?
Daí que o que impulsiona, realmente, o estudo e pesquisa em Humanidades é a própria sede de saber no homem. O conhecer, o admirar e o mais profundocontemplar movem os mais apaixonados e os verdadeiros amantes do conhecimento. Se o conhecimento só fosse válido para fins práticos e produtivos, uma estagnação nos avanços das ciências ocorreria cedo ou tarde. Aristóteles, na Metafísica, já afirmava que o conhecimento das causas é o conhecimento superior, uma vez que necessita de uma investigação para determinar as causas do que está ocorrendo na natureza. Sem o investigar das causas, conquista efetuada por ciências tão inúteis quanto as do homem[4], do que seria a busca pelo conhecimento? Nada.
Sem a busca pela verdade, pelo desejo de saber, não tendo integração com vontades práticas e funcionais, jamais a escada do conhecimento poderia ser elevada. Não existe necessidade futura, isto é, há uma impossibilidade de ter necessidades de coisas inexistentes[5]. Sem o saber pelo amor ao conhecimento, não se progride, e as ciências produtivas existentes se estagnarão por completo, pois só contemplam o útil e o necessário para o contentamento atual dos homens.
Não haveria ciências políticas sem as humanidades, pois a utilidade de teorias políticas só pôde ser alcançada por conta da reflexão e investigação filosófica do tema político, por exemplo. Pode-se argumentar que a busca pelo conhecimento tem uma utilidade no fato de ter a potência de criar novas ciências que, de algum modo, seriam produtivas, contudo devem-se analisar as ciências improdutivas e inúteis em seu escopo histórico, isto é: elas não “se veem” como produtivas, nem mesmo têm desígnios úteis quando são formuladas por seus autores. Sua nascença é inútil, de nada valem para o presente em que nasceram além da contemplação de seus respectivos criadores, e sua aplicação futura ainda sequer existe ou é segura de existir.
O que seria do liberalismo sem as reflexões existentes no campo das humanidades? O que Locke ou Smith, em seus tempos precisos, criaram ou ganharam – em termos produtivos materiais e práticos – com suas vontades investigativas? O que suas indagações e afirmações mais profundas fizeram para o povo inglês em seus períodos? Criaram uma vela mais duradoura? Uma pólvora mais explosiva e barata? Roupas mais resistentes? Não. Suas buscas e pensamentos, embora tenham influenciado larga e amplamente a História da Inglaterra, não produziram um único alfinete em suas investigações quando eram feitas e apresentadas.
Negar uma faculdade por sua inutilidade é negar o próprio saber. É, no fim, negar o liberalismo por uma espécie de tecnocracia, uma vez que o liberalismo depende de precedentes igualmente inúteis, como a análise de povos muito distantes[6], para firmar sua teoria.
Mesmo que as Humanidades, atualmente, sejam pervertidas e adulteradas pela esquerda, pelo niilismo e o irracionalismo, ainda são as portas para as mais abrangentes, grandiosas e inúteis investigações. Destruir as disciplinas Humanas é apenas adiantar o trabalho da esquerda, a grande e verdadeira amante da estagnação.
*Hiago Rebello é graduando em História na Universidade Federal Fluminense.
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