"Lá se vão 600 anos desde que eles chegaram e não aprenderam nada conosco. Continuam querendo viver às custas dos impostos que pagamos para eles desfrutarem das benesses do Estado." Quem fala, em inglês quase perfeito, é Adam, o guia de 28 anos, pele queimada do sol do verão da Europa Central.
"Eles" são os romani, ou ciganos. São a mais robusta minoria ética da Hungria (pouco mais de 3% da população), cuja migração para as áreas que circundam Budapeste começou quatro séculos após os húngaros, vindos da Ásia, fixarem-se em terras disputadas desde antes do Império Romano.
E "nós" é uma alusão aos eleitores do Jobbik, partido de extrema-direita e terceira maior força política do país, desconfiados do namoro cada vez mais assumido do governo do partido conservador Fidesz-KNP, do premiê Viktor Orban, com Moscou.
O inesperado curso de história tem como plateia duas dúzias de turistas de Austrália, EUA, Holanda, Alemanha e Brasil interessados em desfrutar o "melhor passeio de bicicleta por Buda e Peste".
O arremedo de aula, que segue durante o percurso do passeio pelo lado plano da capital, resume a Hungria atual, um país que tem entrado no centro das atenções europeias muito por conta do ressurgimento de sentimentos nacionalistas radicais.
Diante do prédio do Parlamento unicameral, Adam revela em sua capanga um mapa da "Grande Hungria".
A cada parada, nas próximas quatro horas, ele irá lembrar os ciclistas da perda de dois terços do território do país no Tratado de Trianon, em 1920, terras hoje controladas por Eslováquia, Sérvia, Ucrânia, Croácia e Romênia.
Esta última é a vizinha mais preocupada com o populismo nacionalista do premiê Orban. Diante da sede do governo, tremulam desde 2013 duas bandeiras: a vermelha, branca e verde (da Hungria) e a azul e dourada dos Székler, população húngara da Transilvânia.
Desafiando a proibição de Bucareste ao que os romenos veem como separatismo, Orban adotou o símbolo dos Székler e ofereceu aos cerca de 400 mil cidadãos romenos de origem húngara voto nas eleições magiares.
RUSSOS
Mais adiante, na Praça da Liberdade, os turistas são lembrados da tomada da cidade pelos soviéticos, no fim da Segunda Guerra (1939-45), e da repressão aos húngaros por terem auxiliado os alemães na invasão da Rússia. "Os russos foram os piores", diz Adam. "Os soldados não tinham educação, nossas mulheres foram violentadas."
Ali, marcos arquitetônicos da fracassada Revolução de 1956 e do fim da opressão soviética na virada dos anos 1990 despertam menos atenção do que os protestos diários da hoje pequena mas aguerrida comunidade judaica, indignada com um monumento inaugurado em 2014.
Nele, a águia negra do Terceiro Reich ataca um anjo Gabriel que representa uma Hungria inocente, vítima –e não colaboradora– de Hitler.
Historiadores condenaram o revisionismo que joga sob o tapete o auxílio dos húngaros à deportação de ao menos 430 mil judeus húngaros para Auschwitz em 1944.
Parentes e amigos das vítimas criaram um memorial com imagens dos entes queridos ao lado de documentação atestando a participação de Budapeste no Holocausto.
Não por acaso a estátua foi erguida pouco menos de um mês antes das eleições gerais de 2014, as primeiras com participação dos Székler, que garantiram o terceiro mandato ao premiê Orban.
O país vive agora ecos dessa época com o anúncio de que pretende erguer um muro de quatro metros de altura na fronteira sérvia, "para evitar a entrada de imigrantes ilegais", em sua maioria, da África e do Oriente Médio.
O primeiro-ministro sérvio, Aleksandar Vucic, fez questão de lembrar: "Não queremos viver outro Auschwitz".
Orban, fã do modelo político-econômico por ele batizado de "democrático não-liberal", em que inclui China, Rússia, Cingapura e Turquia, já é acusado pela oposição de criar uma "pequena Rússia".
Alheio às críticas dos liberais, a preocupação de Adam é a perda de empregos para os imigrantes, de dentro ou fora da Comunidade Europeia. O guia não vê contradição ao revelar que apurou o inglês em um outro verão, quando "arrumou um bico de barman" no balneário espanhol de Ibiza.
"Eles" são os romani, ou ciganos. São a mais robusta minoria ética da Hungria (pouco mais de 3% da população), cuja migração para as áreas que circundam Budapeste começou quatro séculos após os húngaros, vindos da Ásia, fixarem-se em terras disputadas desde antes do Império Romano.
Attila Kisbenedek/AFP | ||
Bandeira húngara é exposta no prédio do Parlamento, em Budapeste, no aniversário da fundação do país |
O inesperado curso de história tem como plateia duas dúzias de turistas de Austrália, EUA, Holanda, Alemanha e Brasil interessados em desfrutar o "melhor passeio de bicicleta por Buda e Peste".
O arremedo de aula, que segue durante o percurso do passeio pelo lado plano da capital, resume a Hungria atual, um país que tem entrado no centro das atenções europeias muito por conta do ressurgimento de sentimentos nacionalistas radicais.
Diante do prédio do Parlamento unicameral, Adam revela em sua capanga um mapa da "Grande Hungria".
A cada parada, nas próximas quatro horas, ele irá lembrar os ciclistas da perda de dois terços do território do país no Tratado de Trianon, em 1920, terras hoje controladas por Eslováquia, Sérvia, Ucrânia, Croácia e Romênia.
Esta última é a vizinha mais preocupada com o populismo nacionalista do premiê Orban. Diante da sede do governo, tremulam desde 2013 duas bandeiras: a vermelha, branca e verde (da Hungria) e a azul e dourada dos Székler, população húngara da Transilvânia.
Desafiando a proibição de Bucareste ao que os romenos veem como separatismo, Orban adotou o símbolo dos Székler e ofereceu aos cerca de 400 mil cidadãos romenos de origem húngara voto nas eleições magiares.
RUSSOS
Mais adiante, na Praça da Liberdade, os turistas são lembrados da tomada da cidade pelos soviéticos, no fim da Segunda Guerra (1939-45), e da repressão aos húngaros por terem auxiliado os alemães na invasão da Rússia. "Os russos foram os piores", diz Adam. "Os soldados não tinham educação, nossas mulheres foram violentadas."
Ali, marcos arquitetônicos da fracassada Revolução de 1956 e do fim da opressão soviética na virada dos anos 1990 despertam menos atenção do que os protestos diários da hoje pequena mas aguerrida comunidade judaica, indignada com um monumento inaugurado em 2014.
Nele, a águia negra do Terceiro Reich ataca um anjo Gabriel que representa uma Hungria inocente, vítima –e não colaboradora– de Hitler.
Historiadores condenaram o revisionismo que joga sob o tapete o auxílio dos húngaros à deportação de ao menos 430 mil judeus húngaros para Auschwitz em 1944.
Parentes e amigos das vítimas criaram um memorial com imagens dos entes queridos ao lado de documentação atestando a participação de Budapeste no Holocausto.
Não por acaso a estátua foi erguida pouco menos de um mês antes das eleições gerais de 2014, as primeiras com participação dos Székler, que garantiram o terceiro mandato ao premiê Orban.
O país vive agora ecos dessa época com o anúncio de que pretende erguer um muro de quatro metros de altura na fronteira sérvia, "para evitar a entrada de imigrantes ilegais", em sua maioria, da África e do Oriente Médio.
O primeiro-ministro sérvio, Aleksandar Vucic, fez questão de lembrar: "Não queremos viver outro Auschwitz".
Orban, fã do modelo político-econômico por ele batizado de "democrático não-liberal", em que inclui China, Rússia, Cingapura e Turquia, já é acusado pela oposição de criar uma "pequena Rússia".
Alheio às críticas dos liberais, a preocupação de Adam é a perda de empregos para os imigrantes, de dentro ou fora da Comunidade Europeia. O guia não vê contradição ao revelar que apurou o inglês em um outro verão, quando "arrumou um bico de barman" no balneário espanhol de Ibiza.
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