terça-feira, 14 de julho de 2015

Estado deve se abster de promover ou dificultar o exercício de qualquer religião


Estado deve se abster de promover ou dificultar o exercício de qualquer religiãoLuis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal


Sou filho de mãe judia e pai católico. Cresci indo a sinagogas e igrejas. Aos 15 anos, fiz um intercâmbio no exterior e vivi com uma adorável família presbiteriana. Ao fazer meu mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, meu vizinho de porta e amigo era muçulmano, da Arábia Saudita. Desde cedo aprendi a conviver com a diversidade e a apreciá-la. Ao longo do tempo, reforcei a minha convicção de que as pessoas são essencialmente iguais. Não consigo imaginar nada mais triste para o espírito do que uma pessoa se achar melhor do que a outra, seja por sua crença, cor, sexo, origem ou por qualquer outro motivo. 

No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate. De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional. De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico.

São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontadeconstitucional. A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto. Convoquei, no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. 

Com essa iniciativa, busquei promover um debate aberto e plural, para colher a opinião de todos. Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto em Plenário. Há três grandes valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela.

O segundo é o dever de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião, bem como de dificultar o seu exercício. O terceiro valor envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um Estado democrático e de uma sociedade multicultural. A vida civilizada aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há os que buscam esse caminho em princípios religiosos. Há os que o procuram na filosofia moral. 

Muitas pessoas combinam ambas, a verdade revelada e a ética. E há muitos que professam um humanismo agnóstico ou ateu. A verdade não tem dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção, sem a exclusão do outro. O caminho do meio, feito do respeito ao próximo e da tolerância. Como ensinam o Velho Testamento, os evangelhos, o budismo, Aristóteles, Immanuel Kant e todos aqueles que viveram para um mundo melhor e maior.

Publicado na Folha de São Paulo

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