segunda-feira, 27 de julho de 2015

ARTIGO, BLOG DE RICARDO NOBLAT - ACABOU O SONHO


Foi brincando em uma poça de água suja da favela de Manguinhos, Zona Norte do Rio, que ele ganhou notoriedade e entrou para os anais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das joias da coroa dos governos Lula e Dilma.
Desde o último dia três, o corpo de Christiano jaz em uma cova rasa no Cemitério de Inhaúma.
A história de Christiano tem lugar garantido na memória da maioria dos 37 mil habitantes de Manguinhos, um lugar miserável controlado pelo Comando Vermelho, facção criminosa que explora o tráfico de drogas.
Entre os oito anos de idade quando foi catapultado para o estrelato, e os 15 quando morreu cheirando crack, Christiano subiu ao céu e desceu ao inferno sem compreender direito o que lhe acontecia.
Com ele ascendeu e agora começa a descer uma humanidade resgatada da miséria para o consumo de bens supérfluos que jamais haviam estado ao seu alcance.
Bens que poderiam ter sido trocados por outros essenciais e duradouros como educação, saúde, segurança e transporte coletivo, por exemplo.
Mas quiseram os donos do poder político do país que não fosse assim. Afinal, gente alimentada e instruída costuma ser mais exigente.
Christiano deixou de ser um menino igual aos outros de Manguinhos quando Lula, às vésperas de viajar ao Rio para o lançamento de obras do PAC em favelas, viu uma foto dele na capa do jornal carioca “Extra”.
Sorridente, Christiano fingia nadar num vazamento de água no meio de uma rua. Era uma das poucas diversões a que tinha direito por ali. Lula então teve uma ideia. E ordenou a assessores que localizassem o menino.
No dia 7 de março de 2008, Christiano foi a principal estrela do comício que reuniu no Complexo do Alemão o presidente da República, ministros de Estado – entre eles, a chefe da Casa Civil Dilma Rousseff -, governador, prefeito e demais autoridades civis, militares e eclesiásticas. 
Na ocasião, Lula anunciou que Manguinhos ganharia uma piscina para que Christiano e meninos de sua idade pudessem nadar. Foi delirantemente aplaudido.
Ao se despedir de Lula naquele dia, Christiano descobriu que seu nome mudara. As pessoas passaram a chama-lo de Lulinha.
Simpático, gentil, caiu no gosto da comunidade. Passou a ser paparicado por todos. E ele gostou disso.
Um clube de classe alta da Barra da Tijuca chegou a conferir-lhe o direito de livre acesso às suas instalações para que aprendesse a nadar. Não deu certo. Faltou dinheiro para o transporte de Christiano.
Abandonada ainda jovem pelo marido, Dona Bianca Pereira, 35 anos, sempre deu duro como faxineira para sustentar Christiano e as filhas Sthepannie, 14 anos, e Milhena, 12 anos. Sthepannie está grávida de seis meses.
No que pode, dona Bianca tentou satisfazer as vontades deles. Do mais velho de preferência. “Dei de um tudo a Christiano para que ele não se metesse com drogas”, conta dona Bianca. “Até roupa e tênis de marca eu dei”.
Deu também à família uma televisão de tela plana e um computador.
Promovida à mãe de Lulinha, recebeu do governo um apartamento de dois quartos. E viu com orgulho o filho, alçado pela propaganda oficial à condição de redentor das favelas, encontrar-se com Lula pela segunda vez.
Foi na entrega, em maio de 2009, de 20% das obras do PAC em Manguinhos. Quantas pessoas desfrutaram o mesmo privilégio?
De calção de banho, touca e óculos especial providenciados pelo cerimonial da presidência da República, Christiano inaugurou a piscina prometida por Lula. Foi a última vez que nadou ali.
A piscina fica dentro de uma escola que ele, por ser fraco nos estudos, não pode frequentar. Desde então, dona Bianca sentiu que seu filho, aos poucos, foi murchando. Não quer acreditar que o perdeu para o tráfico.

Christiano morreu em uma Unidade de Pronto Atendimento da favela onde está afixado um gigantesco retrato dele como menino símbolo do PAC.

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