domingo, 5 de abril de 2015

O ETERNO DEBATE DOS ANCIÕES DA POLÍTICA


Magu


david1David Verge Fleischer é um cientista político estadunidense naturalizado brasileiro, professor emérito de ciência política da UnB – Universidade de Brasília, professor visitante da George Washington University e na Universidade Estadual de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Escreveu esta bela análise, que nos fala da incapacidade dos partidos brasileiros em formar líderes capazes de substituir FHC e Lula. Além de ser uma pena notável, David não é prolixo, ao contrário, é claro e conciso. Vamos a esta aula magistral de política…


Nos Estados Unidos, ex-presidentes saem de cena quando terminam seus mandatos. No Brasil eles continuam sob os holofotes – talvez porque os partidos brasileiros não tenham formado líderes capazes de substituir Lula e FHC
Por que dois ex-presidentes brasileiros participam tão ativamente do debate político nacional e são ainda os principais líderes em seus respectivos partidos políticos? Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso são os líderes do PT e do PSDB. Os ex-presidentes monopolizam o debate. Nos últimos anos, têm trocado farpas e críticas frequentemente. E ocupam seus papéis por um conjunto de circunstâncias. Uma delas: faltam opções.

O PSDB tem alternativas óbvias de nomes para disputar a Presidência da República cm 2018 – os senadores Aécio Neves e José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin -, mas nenhum deles tem ainda a estatura e o prestígio de FHC. E o PT tem outro candidato preparado e viável para 2018? Aparentemente, não. Por isso, Lula não cessa de dar palpites sobre o cenário político nacional. Em 2015, Lula e FHC continuam, em seus respectivos partidos, a exercer o papel de elder statesmen – o estadista de destaque.

Não há uma renovação de lideranças “presidenciáveis” nos dois partidos. O problema afetou e afeta outras legendas. Nos anos 1940 e 1950, a liderança de Getúlio Vargas não formou muitos nomes viáveis. Sobrou para João Goulart. O PDT, depois da morte de seu “dono”, Leonel Brizola, não conseguiu articular uma liderança nova. O PSB corre esse risco agora, após a morte de Eduardo Campos, em 2014.

E os ex-presidentes anteriores? Lembramos o caso de Getúlio Vargas, afastado da Presidência pelos militares em outubro de 1945 e eleito senador em dezembro do mesmo ano. Teve uma atuação discreta até sua eleição em 1950. Juscelino Kubitschek foi muito atuante depois que deixou a Presidência em janeiro de 1961. Elegeu-se senador por Goiás (numa vaga que ele mesmo havia criado) em junho de 1961 e logo entrou em campanha para voltar à Presidência em 1965. No início de 1964, foi oficialmente indicado candidato por uma convenção nacional do PSD. Depois, tornou-se um elder statesman até sua morte trágica em 1976. Após renunciar à Presidência em agosto de 1961, Jânio Quadros disputou a eleição para o governo de São Paulo em 1962 e foi cassado em 1964. Ainda derrotou FHC para a prefeitura de São Paulo em 1985 e voltou a se envolver no debate político nacional. No período da redemocratização, três ex-presidentes foram eleitos para o Senado – José Sarney, em 1990, Fernando Collor, em 2006, e Itamar Franco, em 2010. Nenhum deles exerceu uma grande liderança nacional em seus respectivos partidos.

Nos Estados Unidos, os ex-presidentes usualmente evitam se envolver no debate político após terminar seus mandatos. Não precisam participar, porque novas lideranças surgem regularmente. Os Estados Unidos têm uma forte tradição federativa. Nas disputas estaduais, surgem novas lideranças importantes, em ambos os partidos. Assim, tanto democratas quanto republicanos têm um estoque de futuros candidatos. Em 2016, haverá eleições primárias bastante disputadas em ambos os partidos. No Brasil, não usamos eleições prévias – somente conchavos e convenções partidárias já com cartas marcadas.

A tradição do papel dos ex-presidentes tem força nos EUA, mas também muitas exceções. O sexto presidente americano, John Quincy Adams (1825-1829), foi eleito deputado federal (1831-1848), mas teve uma atuação muito discreta. Diferente foi o caso do presidente Theodore Roosevelt, que, depois de seu mandato (1901-1909), candidatou-se novamente em 1912 e perdeu para Woodrow Wilson. Theodore Roosevelt ainda se envolveu bastante na vida política nacional até sua morte em 1919. Os ex-presidentes ainda vivos – George Bush, Bill Clinton e George W. Bush – não se envolveram muito no debate político nacional. Porém, os Bushs têm um pré-candidato para 2016 – Jeb Bush -, e Hillary Clinton é uma pré-candidata do Partido Democrata também para 2016. Bill Clinton ainda é bastante consultado pelos colegas democratas e tem alcançado um certo destaque no cenário internacional.

Desde que o PT foi fundado, em 1980, o reconhecido líder do novo sindicalismo, Lula, vinha sendo promovido e preparado para ser o candidato presidencial do partido. Foi candidato ao governo de São Paulo em 1982, foi eleito constituinte na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) em 1986 e foi o candidato do PT a presidente em 1989,1994 e 1998. Foi eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006. O prestígio eleitoral de Lula ainda era tão grande que conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, por indicação pessoal, em 2010, e reelegê-la em 2014.

A trajetória de FHC foi bem diferente. Candidatou-se a senador em São Paulo pelo MDB em 1978. Nos fins de 1979, com alguns outros intelectuais, conversou com Lula e outros líderes sindicais na tentativa de organizar um novo partido, nos moldes do Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Porém, os sindicalistas optaram por organizar sua própria legenda, o Partido dos Trabalhadores, em 1980. Em junho de 1988, tornou-se um dos fundadores do PSDB. A grande chance para que ele tivesse destaque nacional apareceu com o impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992.0 vice empossado como presidente, Itamar j Franco, nomeou FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. Assim, FHC se tornou o pai do Plano Real, que garantiu sua eleição como presidente (no primeiro turno) em 1994 e ainda a reeleição (também no primeiro turno) em 1998. Diferentemente de Lula, FHC não conseguiu eleger sucessor – nem José Serra (2002 e 2010) nem Geraldo Alckmin (2006). Mas, desde 2002, não apareceu outro tucano para rivalizar com a liderança de FHC. Essa situação é ruim para o PSDB, ruim para o PT e ruim para o Brasil.

fonte: ANNT

Nenhum comentário:

Postar um comentário