terça-feira, 30 de dezembro de 2014

CUBA E AS VACAS

Patricia Campos MelloEm Cuba, matar e vender uma vaca pode dar até 18 anos de prisão. Segundo o código penal, trata-se de “sacrifício ilegal de gado e venda de suas carnes”.

O cubano que matar uma vaca sem autorização do governo, mesmo que o animal pertença a ele (50% das cabeças de gado da ilha são particulares ou de cooperativas), fica entre 4 e 10 anos atrás das grades. Se vender essa carne diretamente ao consumidor, no mercado negro, em vez de repassar ao Estado por preços irrisórios, fica mais 3 a 8 anos preso.

Ou seja, quem mata e vende uma vaca em Cuba pode ficar mais tempo preso do que alguém que comete homicídio simples, que passa até 15 anos na prisão.

Resultado: muitos cubanos são “criativos”.

Alguns amarram suas vacas nos trilhos do trem para que elas sofram “acidentes” (ainda que possam ser multados por isso). Outros fingem que o gado foi roubado para poder vender a carne.

De qualquer modo, carne é artigo de luxo. Só turistas, gente que recebe remessas de parentes ou ganha em dólares consegue comprar.

O produto não faz parte da cesta básica disponível em pesos cubanos. Quem precisa de proteína, come frango, quando tem, ou apela para salsicha ou um atroz “picadillo” feito de soja, gordura e miúdos.

Até existe carne à venda nas lojas dolarizadas, que vendem em CUCs, o peso conversível.

Mas o preço é proibitivo. O salário médio em Cuba é de 30 CUC (US$ 33) e o quilo da carne de vaca sai a 12 CUC (US$ 13).

O único jeito é comprar no mercado negro, a 2 CUC o quilo. Isso implica muitas vezes comprar do pessoal que chega com bifes escondidos debaixo do casaco, de procedência duvidosa.

“Segurança, educação e saúde aqui em Cuba são ótimos”, diz o guia turístico cubano Alberto Rodríguez. “Mas não podemos passar a vida inteira comendo salsicha e picadinho de soja; as coisas precisam mudar.”

A revolução está ruindo pelo estômago.

E com seu principal patrocinador, a Venezuela, à beira de um colapso econômico, o governo cubano sabe que não tem tempo a perder.

O timing é perfeito para a reaproximação com os EUA, após cinco décadas de hostilidades entre os dois países.

A esperada injeção de investimentos norte-americanos é a última esperança de sobrevivência do regime castrista.

Mas o começo do fim do isolamento de Cuba tem efeitos colaterais: pode adiar ainda mais a abertura política em Cuba, ao dar um oxigênio extra para o ditador Raúl Castro. Para desespero dos presos políticos na ilha, que não se limitam aos 53 cuja libertação foi negociada pelo presidente Barack Obama.


 PATRÍCIA CAMPOS MELLO é repórter especial da Folha.

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