sábado, 11 de outubro de 2014

Eu vendia Pepsi, mas tomava Coca-Cola



Eu odeio o concorrente. Não estou querendo causar impacto com a frase. Eu odeio de verdade o concorrente. Eu sempre encarei a concorrência como alguém que queria tirar o leite do meu filho. Mesmo assim, não resistia a uma Coca gelada
Assim como aconteceu comigo, você provavelmente convive com esse dilema no dia a dia: trabalhar na empresa X e gostar de consumir os produtos da empresa Y. Os funcionários mais apaixonados vão dizer que você é um traidor, um cara que não veste a camisa da empresa, um sujeito sem caráter e outros elogios mimosos.
A verdade é que quando você trabalha em uma multinacional, quase sempre recebe um código de conduta que versa principalmente sobre o que não fazer. Na inúmera maioria, sempre existe a parte que fala da concorrência. Fica claro e explícito que você não deve consumir produtos da concorrência, sob pena – inclusive – de demissão por justa causa. Você vai dizer que isso é contra a lei, mas é incrível como esse tipo de ameaça causa calafrios nas pessoas.
Você acha que eles estão certos? Os caras do Facebook não devem usar outras redes sociais? Os caras da BMW não devem usar uma Mercedes? Os caras das motos Honda não devem usar as motos da Shineray?
Eu, particularmente, não concordo com isso. Mas ao mesmo tempo, concordo. Calma! Eu não sou bipolar. Ainda.
O general estrategista e filósofo Sun Tzu disse: ”se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas”.
A lei 2 do livro “As 48 leis do poder”, dos autores Robert Greene e Joost Elffers, adverte: ”Não confie demais nos amigos. Aprenda a usar os inimigos”.
banner-quebre-a-bancaÉ preciso conhecer bem, conhecer “de verdade” o inimigo. Foi o que fez Santo Agostinho, que experimentou os prazeres carnais e a luxúria diversas vezes antes de se tornar santo. Seu livro autobiográfico, “Confissões”, é proibido para menores de 18 anos. Eu pergunto: como conhecer e combater o pecado sem antes tê-lo experimentado?
Meu pecado era a Coca-Cola.
Eu não sei se colocam cocaína nela, as lendas urbanas falam demais. Mas o fato é que existe uma substância viciante que até hoje não consegui tirar da minha vida. Já perdi muito peso, mas os 6 quilos que ainda preciso perder estão solidamente construídos à base dessa cola gaseificada.
Eu odeio o concorrente. Não estou querendo causar impacto com a frase. Eu odeio de verdade o concorrente. Eu sempre encarei a concorrência como alguém que queria tirar o leite do meu filho.
Quando meu concorrente era a Coca-Cola, nós carinhosamente a chamávamos de “macaca”. Perdi as contas de quantos gritos de guerra eu criei para xingá-la. Talvez você discorde da minha forma agressiva de ver o concorrente, mas sempre funcionou comigo. Reafirmo: existem várias maneiras de ganhar. Escolha a sua.
Se eu odeio os produtos dessa empresa, devo consumi-los? Absolutamente, sim. Você pode ler manuais, você pode entrar no site do concorrente, mas nada tem mais valor do que experimentá-lo.
O maior problema é quando você usa e consome o concorrente em público. Isso é uma furada.
Existe uma foto lendária na internet, dos tempos de Orkut, que mostra um motorista no caminhão da Pepsi tomando na boca uma Coca-Cola de vidro. Eu já vi a foto algumas vezes e sinto nojo desse cidadão. Ele tem o absoluto e legítimo direito de consumir o produto da concorrência, mas jamais em público, jamais vestido com o uniforme da empresa.
Hoje em dia, com as redes sociais, não tem mais como esconder-se, até a sujeira embaixo do tapete já está no Instagram.
Eu não sou santo. Certa vez estava em um restaurante bem conhecido em Maceió, um lugar que era patrocinado pela Ambev, com contrato de exclusividade e tudo mais. A companhia pagou uma nota preta para ter exclusividade de cervejas e refrigerantes naquele estabelecimento.
Era domingo. Fui almoçar lá porque eu sabia que eles tinham Pepsi, pelo menos era o que o contrato dizia, o merchandising do lugar e, claro, o cardápio só tinha escrito Pepsi. Mas por sacanagem resolvi pedir ao garçom uma Coca-Cola. O garçom falou: temos Pepsi. Eu respondi: não gosto de Pepsi, consiga uma Coca-Cola, por favor, para eu não ter que ir embora.
Para meu espanto, o garçom fez que sim com a cabeça e depois de alguns minutos voltou com um copo de vidro – isso mesmo, com um copo de vidro – cheio até a boca. O copo era imponente, grande, vidro grosso e o líquido era de fato um refrigerante de cola, mas mesmo assim não perdi a esperança, eu achava que aquilo era uma pegadinha, que o refrigerante de cola contido no copo era Pepsi.
Quando ele se aproximou da mesa deu para perceber aquelas bolhinhas de ar borbulhando na superfície do copo. Além disso, ele fez do jeito que eu mais gosto: o copo estava repleto daquele tipo de gelo que não derrete. O garçom deixou o copo na mesa, piscou o olho pra mim e saiu de fininho. Peguei no copo e pude sentir a temperatura extremamente gelada. Levei até a minha boca e dei um micro gole. Era a macaca, sim, era Coca-Cola. Aquele gole fatídico me fez lembrar o fim dos Beatles: “o sonho acabou”.
E aí, o que você faria no meu lugar?
Eu estava em um lugar público, mas ninguém, absolutamente ninguém, poderia afirmar que aquilo não era Pepsi. Porém, minha consciência hegeliana sabia, não era certo, eu não podia fazer aquilo, eu tinha que devolver o produto e pedir Pepsi. Desde que eu tinha entrado na companhia levei uma lavagem cerebral dantesca e já fazia uns 3 anos que só tomava Pepsi. Mas naquele dia sinistro recorri mais uma vez ao amado Santo Agostinho e lembrei uma de suas celebres frases: “Senhor, faz-me casto e celibatário, mas não agora”.
Eu tomei aquela maldita macaca gelada de um gole só. Eu lambi o gelo por 5 minutos. Foi praticamente um orgasmo líquido-oral.
Aprenda com meus erros, eu provavelmente teria sido demitido por justa causa se tivessem descoberto minha recaída. Agora, não deixe de consumir os produtos da concorrência na sua casa. Em público não rola, mas sua casa é seu templo. Certa estava a banda “profética” Biquini Cavadão quando cantou: “minha casa é meu reino, mas eu preciso de outros sapatos”.
É isso mesmo, consuma na sua casa. Teste, avalie, veja se eles de fato entregam o que prometem, estude os pontos fracos e nunca se separe do inimigo.
Vou dar um exemplo real que aconteceu ontem. Entrei em uma loja de conveniência e havia lá uma promotora de vendas que estava falando sobre a nova fórmula do energético Burn. A moça gentilmente ofereceu-me um copinho. Eu provei e afirmo que está muitíssimo parecido com Red Bull (energético mais vendido do Brasil). Eles adicionaram taurina e cafeína e o energético ficou muito melhor. Afinal, antes parecia Guaraná Jesus vencido e sem gás. Se eu fosse um vendedor da Red Bull eu compraria o novo Burn e tomaria em casa.
Eu escreveria toda experiência da experimentação e as sensações passo a passo com que fui acometido durante a análise do produto. 

Eu faria o seguinte: misturaria com gelo normal, gelo de água de coco, com whisky, com guaraná, com vodka, tomaria muito gelado, sem gelo e também quente. Depois, relataria a experiência completa para o departamento de marketing da empresa.
É assim que se deve odiar o concorrente, mantendo-o extremamente perto de você, mesmo que ele seja uma macaca.
Por: Fabricio Medeiros
quebre a bancaProfessor de Negociação da FGV | Educação Executiva em Business pela Universidade da Califórnia e em Negociação e Liderança por Harvard. Escritor visceral, Palestrante ZERO autoajuda e consultor de vendas impossíveis.

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