sábado, 11 de outubro de 2014

A preguiça é necessária


Para surgirem ideias, é preciso não fazer nada. Na madrugada, fumo charuto e deixo o pensamento fluir

WALCYR CARRASCO
10/10/2014 21h39
Sempre me perguntam sobre como é meu processo de criação. Como surgem personagens, textos? Pois bem, eu não seria nada se não fosse preguiçoso. A preguiça é uma vantagem para a sobrevivência, que faço questão de exercer.

Desde menino, ficava acordado até mais tarde, escondido de meus pais. De manhã, não conseguia levantar para ir à escola, a não ser depois de ameaças de minha mãe – como jogar um balde d’água na cama. Pior, quem dorme até tarde é tratado como preguiçoso, no pior dos sentidos. Em certa época de minha vida, trabalhei numa revista, onde ficava dois dias por semana até as 4 horas da manhã. Chegava em casa às 5 horas, tomava um banho, deitava lá pelas 6. Às 10, minha mãe (se estava de visita) batia na porta do meu quarto, gritando:

– Acorda, preguiçoso!

Não sossegava até me arrancar da cama.

Talvez por ser chamado de preguiçoso desde pequeno, me organizei para isso. Tratei de conseguir empregos onde entrava de tarde, para dormir de manhã. Isso me ajudou bastante ao longo da vida profissional, pois meus trabalhos eram menos burocráticos, exigiam ideias. Alguém que dá ideias tem mais oportunidades, seja onde for.

Para surgirem ideias, é preciso não fazer nada. Claro, a gente sempre tem uma atividade. Quando escrevo uma novela, trabalho pesado, no diálogo dos personagens, na construção de cenas etc. A história, porém, acontece quando sento para fumar meu charuto, já de madrugada, e fico pensando no nada, deixando o pensamento fluir. Ou de tarde, após uma agradável aula de pilates, quando sento para tomar um cafezinho, e a mente vaga sem objetivo. Não só na questão das novelas. Já resolvi um número imenso de questões da vida pessoal ou financeira simplesmente não fazendo nada. Diz a lenda que Newton descobriu a lei da gravidade quando, deitado debaixo de uma árvore, uma maçã caiu sobre sua cabeça. Gosto de imaginar que foi realmente assim. E que ele estava nesse estado, em que a mente viaja. Agora, imaginem se ele estivesse colhendo maçãs em cima de uma escada, sob o sol, suando. Não descobriria lei da gravidade nenhuma. Muitas grandes descobertas, até matemáticas, acontecem depois de uma noite de sono, quando o cérebro passeia, sem objetivo predefinido.

Conheço gente ferozmente empenhada em seu trabalho, que nunca teve uma ideia na vida. As empresas, a grande maioria ainda, apreciam a ideia de tirar o sangue do funcionário. Quanto mais trabalha, melhor ele é. Até ser substituído por alguém com boas ideias que, de alguma maneira na vida, encontrou espaço para relaxar. As empresas de internet descobriram que o funcionário precisa de horas vagas. Soube de uma que fez até uma pista de skate. Também abdicaram de roupas formais. Cada um vai como quer. Já trabalhei numa firma que pegou pesado com uma funcionária que usava decotes grandes demais, vestidos transparentes. Há empresas que incentivam a meditação – uma boa forma de tirar o cotidiano da cabeça e descobrir algo novo. Acredito muito no home office. Em boa parte dos empregos, não há necessidade nenhuma de o funcionário comparecer à empresa todo dia. Trabalha em casa, bem tranquilo, sem sapatos, come quando quer. Tenho uma prima que foi dona de uma corretora de produtos químicos durante anos. Fazia tudo por telefone. Vi-a várias vezes sentada na praia, ao sol, de celular na mão, combinando a retirada e entrega de caminhões de algum produto. Nunca houve um erro. Nunca perdeu um cliente.

Sofro para explicar a meus amigos que trabalho quando não faço nada. Como sabem que escrevo de madrugada, me ligam para um jantar. Digo que não vou. O argumento:

– Mas você vem, janta, bate um papo, depois vai escrever.

– Não é assim. Preciso ficar sem fazer nada. Sem conversar também, só comigo mesmo.

Do outro lado, um silêncio de horror. Para muita gente, a ideia de ficar consigo mesmo é aterrorizante. Preferem falar com estranhos. As empresas também gostam do que chamam de “organização”. Adoram cartões de ponto, horários, métricas. Chamam isso de “produtividade”. Se dariam melhor se dessem aos funcionários seus momentos de preguiça diários. Não falo só de trabalhos da área artística, mas também técnica. Uma boa ideia na área técnica não economiza milhões?

Olhar a parede com a cabeça solta é excelente. As pessoas, e as empresas também, ainda descobrirão o valor da preguiça. Torna a vida mais leve. E, muitas vezes, mais lucrativa.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário