segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Cartas de Londres: Bancos de memória


Beatriz Portugal
Despretensioso, o banco de madeira estava num canto remoto do parque. Um caminho estreito ia até ele, arbustos espinhentos de ambos os lados. Não se vislumbrava muito dali, apenas as folhagens das árvores e a grama que crescia sem controle.
Um banco como tantos outros que estão por toda a cidade, em parques e praças, na beira do Tâmisa e de ruas movimentadas, em cantos encantadores e em locais pouco memoráveis.
Bancos que os londrinos conhecem tão bem como objetos que proporcionam um lugar onde se conversa, almoça, lê, fuma, brinca, namora, briga, descansa, pensa. Seja ele um banco solitário com o qual se deparou por acaso ou um que é tido quase como um bem valioso que quando avistado vazio entre tantos outros ocupados acelera-se o passo para conseguir reivindicá-lo como seu.
Alguns tem aparência surrada e cansada, outros são novos e ainda não castigados pelo tempo, mas uma coisa que grande parte desses bancos têm em comum é que eles tem uma história para contar.
Difícil encontrar um banco que não tenha uma plaquinha com um nome, datas e uma dedicatória que, em poucas palavras, homenageia alguém. Um alguém que geralmente já faleceu mas cujo familiares adotaram o banco como um lembrete físico de quem a pessoa foi, o que gostava e o que significou.
A maioria das inscrições traz mensagens de amor e saudade, mas os dizeres também podem contar histórias, que mesmo desconhecidas, podem ser comoventes, engraçadas, tristes.
Alguns bancos ficam famosos pela placas que trazem, como a que diz: “Memorial ao marido desconhecido. Muitas vezes imaginado. Muito desejado. Nunca encontrado”.
Outros trazem conselhos: “Tire um dia, descanse um pouco e finja que o mundo é apenas para você”.
Enquanto a maioria é dedicado a falecidos, outros são para os vivos: “Agora nos meus oitenta este assento desocupei, mas caro vizinho não suspire ainda, apenas me mudei para Somerset”.
Os bancos não são sem controvérsia. Há sugestões de que se deve ter outra maneira de lembrar publicamente um ente querido – com o plantio de árvores, por exemplo. Assim, os bancos poderiam permanecer simples bancos e não memoriais capazes de tocar estranhos com a mortalidade quando o que se queria era apenas sentar.
Descobrir histórias pode ser algo melancólico, principalmente quando se depara com um banco dedicado a uma criança, como aquele que, escondido por arbustos espinhosos, escancarou a dor pungente de quem quis prestar uma homenagem: “Viveu por 35 minutos. Amado para sempre”.
A placa pode fazer daquele banco quase insuportável para alguns, mas para mim deixou claro que os bancos londrinos, apesar de simples objetos de madeira, não só capturam as vidas de centenas de pessoas, cada uma com sua própria história, mas são objetos capazes de fazer da cidade impessoal um lugar mais humano.

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar

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