DESARMAMENTO
Magu
Amos Yadlin é ex-chefe de inteligência de Israel. Diretor do Instituto para Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel-Aviv. Seu artigo foi traduzido por Anna Capovilla e foi enviado para nós por Carlos Brickmann, após publicação no Estadão, 04/07/2014.
…o grupo tornou-se mais perigoso e sua capacidade ofensiva, mais forte do que costumava ser. Sua possibilidade de ameaçar cidades israelenses por túneis e foguetes transformou o incômodo em um desafio de proporções estratégicas. Por essas razões, o governo do Hamas em Gaza deve acabar…
Após cerca de três semanas de combate, chegou o momento de retornar aos pressupostos básicos de Israel sobre o Hamas. Até agora, partia-se da suposição de que o Hamas era o “demônio conhecido”, capaz de ataques que, na maior parte, apenas incomodavam. Aceitar o controle que o grupo exercia sobre Gaza era preferível a correr o risco de um vazio de governo. A violência temerária da atual temporada de combates, porém, modificou esse conceito.
Em primeiro lugar, o Hamas mostrou-se um péssimo governante. Com a ocultação de grande parte de seus recursos e equipamentos militares – túneis para infiltrar-se em Israel, bunkers para seus combatentes, lançadores de foguetes para aterrorizar civis israelenses -, abaixo ou entre mesquitas, hospitais e escolas, o Hamas transformou os civis de Gaza num escudo, na realidade, desafiando Israel a atacá-los. Então, cinicamente, fez das vítimas previsíveis, seguidas de um elemento de propaganda, e rejeitou as propostas de cessar-fogo, principalmente um plano egípcio aceito por Israel, pela Liga Árabe e pela comunidade internacional. Na semana passada, Mohamed al-Arabi, um ex-chanceler egípcio, acusou o Hamas de “derramar o sangue de palestinos inocentes”.
A recente série de combates mostrou que o grupo tornou-se mais perigoso e sua capacidade ofensiva, mais forte do que costumava ser. Sua possibilidade de ameaçar cidades israelenses por túneis e foguetes transformou o incômodo em um desafio de proporções estratégicas. Por essas razões, o governo do Hamas em Gaza deve acabar, sua ala militar deve ser desarmada e é preciso dar ao povo de Gaza chance de eleger novos líderes.
Isso pode ser feito em três etapas. Primeiro, Israel deve aumentar a pressão sobre o Hamas para que os seus líderes sintam que o cerco está se fechando. Em segundo lugar, um cessar-fogo deverá ter como condição a impossibilidade de o Hamas se rearmar. Em terceiro, a Autoridade Palestina (AP) deve recuperar o poder em Gaza, para que se realizem novas eleições. Essas medidas poderão preparar o caminho para a reabertura de Gaza para o mundo, em paz. Tudo isso é possível em razão de uma mudança fundamental da política do Oriente Médio: quem sabe, pela primeira vez, exista hoje uma autêntica convergência entre Egito, Arábia Saudita, AP e Israel no que se refere a limitar expansão do radicalismo islâmico.
Foi a AP e não o Hamas que governou Gaza depois que Israel concluiu a retirada do território, em 2005. Depois de uma eleição que acentuou divisões, o Hamas assumiu o poder em 2007. Para que a paz fosse duradoura, Israel teria de promover a retomada do controle em Gaza pelo governo de unidade palestina, com apoio internacional.
Se Israel conseguir evitar definitivamente o rearmamento do Hamas, teria de ser encorajada a formação de um governo de liderança unificada de tecnocratas – como a AP e o Hamas concordaram, no dia 3. Esse governo poderia, ao menos, controlar a passagem entre Gaza e o Egito e proporcionar algum estado de direito. Com o apoio dos países árabes, isso ocasionaria crescimento econômico em Gaza e a eliminação progressiva dos bloqueios egípcio e israelense. Poderia abrir caminho para uma espécie de “Plano Marshall” para Gaza no longo prazo, liderado por Estados árabes moderados e com o apoio de Israel.
Parece irreal? Talvez, mas a alternativa – a continuação do governo do Hamas – é muito pior. A origem desse surto de violência foi a decisão, em tréguas anteriores, de permitir que o Hamas recuperasses sua capacidade ofensiva. Isso não pode se repetir. Antes dessa série de combates, o Hamas foi enfraquecido por dois anos de revezes políticos e econômicos sofridos por seus patrocinadores no Oriente Médio. Teve de abandonar sua base na Síria em razão da guerra civil. Seus partidários da Irmandade Muçulmana foram expulsos do Egito. Sua popularidade entre os palestinos começou a declinar.
Uma pesquisa de junho mostrou que 70% dos habitantes de Gaza queriam que o cessar-fogo com Israel então em vigor continuasse; 57% queriam que o governo de unidade recentemente declarado com o Fatah, o partido palestino que governa a Cisjordânia, renunciasse à violência contra Israel; 65% disseram que a AP deveria enviar funcionários para administrar Gaza.
As opiniões mudaram com a intensificação da batalha e a angústia dos palestinos provocada pelas centenas de civis mortos. Os civis devem odiar os israelenses, mas acredito que uma pesquisa como essa, se feita hoje, mostraria um apoio ainda menor ao Hamas do que a de junho.
Os militares israelenses sabem que não há uma solução simples – mas que uma solução política é sempre melhor do que uma militar. Entretanto, para optar pela solução política, Israel deve primeiramente chegar à negociação de um cessar-fogo com uma posição de força. Para tanto, o Hamas terá de pagar um preço alto.
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