segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Cartas de Londres: Gases contra a França


Beatriz Portugal
Do alto do Estreito de Dover, o local onde a Grã-Bretanha está mais próxima do continente europeu, um canhão muito diferente apontava para a França. Postado à sua frente, o rapaz de jeans, camisa de mangas curtas e gravata levou uma mão ao peito e com a outra fez uma continência ao som do hino “God Save the Queen”. Nada solene, pois as risadas escapavam e o tal canhão estava acoplado a um objeto de quase cinco metros de altura que não deixava dúvidas se tratar de nádegas gigantes.
Ali acontecia, possivelmente, o “ataque” mais surreal e irreverente já feito entre países vizinhos: um disparo de flatulência.
A “agressão” se deu há uma semana pelas mãos do inventor inglês Colin Furze. Encanador de dia, nas horas vagas ele cria engenhocas. A maioria de suas criações não tem nada de útil, são coisas criadas pelo prazer de inventar, como sapatos magnéticos concebidos para andar no teto, garras e lança-chamas inspirados no filme “X-Men”.
A mais nova engenhoca dele é uma máquina feita com uma turbina capaz de fazer um barulho que se parece com o som de gases intestinais. Basicamente, um canhão sonoro de pum. A ideia de Furze era testar se o som viajaria pelo Canal da Mancha até o território francês, a 33 quilômetros de distância.
Inspirado por comentários de pessoas que diziam que odiariam ter o inventor como vizinho, ele resolveu ver se seria capaz de incomodar um país vizinho.
Além do motor, ele criou a nádega gigante para acoplar a turbina, escaneando até seu próprio traseiro para conseguir recriar a tonalidade exata da pele.
Viradas as nádegas para a França e disparo feito, a confirmação nada científica do sucesso veio por telefone de que ao menos duas pessoas ouviram o ruído do outro lado.
Algo inútil, curioso, bobo – dê o adjetivo que quiser – mas o teste do canhão de pum me parece algo que só aconteceria na Inglaterra. Algo revelador sobre a psique inglesa. Não só na rivalidade camarada com os franceses, mas também em como o humor faz sim parte fundamental do caráter inglês.
Tidos como distantes e reprimidos, o inglês consegue também ter um humor que é quase tão mundialmente famoso quanto à reserva britânica. Aquele humor contido com um apreço especial para o absurdo. Não à toa, em inglês, a palavra engraçado pode se referir tanto a algo que faz rir quanto a algo estranho.
Antes do disparo, Furze exclamou “Solto um peido em sua direção geral!”, a mesma frase proferida por um cavaleiro francês a um inglês no filme “Em Busca do Cálice Sagrado” (1975) da famosa trupe britânica de comédia Monty Python, considerada tão essencialmente inglesa quanto chá.
Claro que houve quem achasse o experimento pastelão ou juvenil demais, mas a maioria apreciou o humor nonsense da coisa, sugerindo até que o inventor ganhasse o título de cavaleiro por, finalmente, vingar os ingleses.

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar.

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