Gabriela Antunes
Na coluna passada, escrevi sobre o estado de Salta, uma parte da Argentina desconhecida, o portal para o norte indígena, selvagem, a caatinga do sul do continente onde civilizações milenares deixam rastros e cadeias de montanhas desafiam a presença humana.
Nenhuma visita ao norte argentino estaria completa sem uma ida ao seu extremo geográfico: Jujuy.
Possivelmente um dos estados mais pobres do país, com população basicamente indígena, nativa da região há mais de dez mil anos, Jujuy está aí para quebrar todos os clichês do que se imagina da Argentina.
De Salta até a capital San Salvador de Jujuy, por terra, são menos de 100 km. No entanto, as atrações turísticas se encontram um pouco além, em uma região conhecida como Quebrada de Humahuaca, uma seção da cordilheira oriental com enormes vazios populacionais, predominada por chapadas rochosas, vales, desertos e montanhas. É um prato cheio para o turismo de aventura, histórico, montanhismo e muito mais.
“As coisas principais assaltavam-na em quaisquer momentos, também nos vazios, enchendo-os de significados”, escreveu Clarice Lispector em seu livro Perto do Coração Selvagem. É justamente esse vazio que arrebata o viajante que vai à essa região.
Jujuy
De Salta a Tilcara (parte da Quebrada de Humahuaca) são 175 km. Trata-se de um desses povoados com ares de faroeste que convém como um dos pontos de partida.
São Tilcara e Purmamarca as duas vilas que servem de hospedagem para o turista. Ambas possuem agradáveis alternativas de pernoite, restaurantes, locais de interesse cultural e vistas espetaculares dos cerros, como o Cerro Siete Colores, com um vale cuja sedimentação das rochas pintou uma paisagem multicolor que pode ser vista de Pumamarca.
À cerca de um quilômetro ao sul de Tilcara está a antiga fortaleza Inca de Pucará, um labirinto de edificações de pedra com mais de nove séculos. Trata-se de um testamento de reinos pré-hispânicos.
A 70 km de Tilcara, por uma rota montanhosa que ascende até os 4.170 metros de altura, há uma das três maiores salinas do planeta. Salinas Grandes se desdobra por 212 km na zona limítrofe entre as províncias de Salta e Jujuy. Foi criada pela evaporação paulatina das águas provenientes da atividade vulcânica, entre 5 e 10 milhões de anos atrás.
Nada prepara o turista para a salina. Uma espécie de branquidão que parece refletir o céu e estender-se a até a curva do mundo. Uma paisagem tão consoladora que o converte em criança.
É o norte argentino, a terra de ninguém que, como berço dessa civilização sul-americana, deveria ser terra de todos.
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín.
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