CARLOS VIEIRA
Visitando o dicionário de Houaiss encontro a palavra crueldade, conceituada e descrita assim: “crueza, atrocidade, barbaridade, brutalidade, desumanidade, malignidade, perversidade e ruindade.” Já no Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, o termo crueldade remete à “capacidade de fazer o mal, pravidade, maleficência, ofensa, virulência, vandalismo, destruição, tormento, assalto, abuso e ultraje.”
A crueldade humana é intrínseca, inata e aprendida no decorrer da formação do nosso Eu. Causas hereditárias, trans geracionais, aspectos íntimos da tessitura da mente humana; causas ambientais, a começar por traços perversos e malignos de certos pais, e por uma influência ambiental que desde o começo da história do homem mostra jogos cruéis, sádicos, acompanhados de prazer. É óbvio que o ato cruel engendra sua consequência de prazer, vide as brincadeiras infantis e os jogos da antiguidade em cenários romanos, onde celebravam festas para matar animais, escravos e inimigos do governo em praça pública e, espetáculos de enforcamento sendo comemorados por populações, embevecidas de grande satisfação e prazer. Assim, a crueldade, os aspectos sádicos da personalidade humana, são rituais de satisfações após provocarem dores físicas e psíquicas.
Humberto Eco, escritor italiano, ensaísta, crítico de arte e literatura, em seu magnífico livro – “História da Feiura”, traduzido por Eliana Aguiar pela Editora Globo, no capítulo “Satanismo, sadismo e prazer da crueldade, nos lembra o famoso Marquês de Sade quando diz:”... estava muito longe de acreditar que o homem, a exemplo dos animais ferozes, só poderia gozá-los vendo fremir de pavor suas companheiras...quando Antônio terminou com gritos tão furiosos, com incursões tão mortais a todos os recônditos do meu corpo, com mordidas tão semelhantes, enfim, às sangrentas carícias de um tigre...” São descrições das nuances da crueldade humana e da capacidade maligna de retirar prazer pela dor do outro.
No entanto, é em nosso pensador, ensaísta, escritor, Michel Eyquem, Seigneur de MONTAIGNE, nascido em 1533, que encontramos uma das mais belas descrições, em seu Ensaio – “Sobre a Crueldade”. Após passear sobre questões ligadas à bondade, compaixão e piedade, Senhor de Montaigne, captando características da alma humana, fala da crueldade, da maldade: “Entre os vícios, odeio cruelmente a crueldade, tanto por natureza como por julgamento, como sendo o extremo de todos os vícios... Os selvagens não me ofendem tanto por assarem e comerem os corpos dos falecidos quanto aqueles que os atormentam e perseguem quando são vivos... Quanto a mim, tudo o que, na própria justiça, vai além da morte simples me parece crueldade...”
Montaigne me parece totalmente atual quando naquele época, no século XVI, escreve:” Vivo numa época em que abundam exemplos inacreditáveis desse vício da crueldade, pelas desordens de nossas guerras civis, e não vemos nada de mais extremo nas histórias antigas do que aquilo que assistimos todos os dias... Eu mal era capaz de me convencer, antes de tê-lo visto, que pudesse existir almas tão ferozes que quisessem cometer assassínios só pelo prazer; retalhar e cortar membros de alguém; aguçar o espírito para inventar torturas inusitadas e mortes novas, sem inimizade, sem proveito, e só para o fim de gozar do agradável espetáculo, dos gestos e movimentos lastimáveis, dos gemidos, dos gritos lamentáveis de um homem morrendo em agonia... Mas quando encontro entre as opiniões mais moderadas raciocínios que tentam mostrar a semelhança estreita entre nós e os animais...”
O leitor está a perguntar o sentido desse meu “improviso”, ou mesmo paráfrases de textos famosos sobre a crueldade humana! Sim, não poderia deixar de associar passagens tão inesquecíveis de escritores geniais com o que acontece hoje, nesse mundo pós-moderno, nessa nossa civilização da “tecnocracia, dos avanços econômicos e científicos”. Crescemos, desenvolvemos, criamos e ampliamos a cultura, mas lateja e dói no coração de cada ser humano, hoje, o atraso ou, me parece, a involução do animal humano. Estamos a cada dia mais bárbaros, sedentos de fome, voracidade, inveja e desejo de usar os nossos semelhantes para obtermos prazeres materiais, sexuais e de enriquecimento ilícito. Dos bandidos e assassinos da rua aos homens “ditos de bem”, todos eles usam os mesmos métodos de crueldade para sentir prazer, matando os demais, matando de morte física, de fome, de privação de humanidade, assim como torturando psiquicamente o outro. Vandalismo, saques, corrupção, desvio de verbas para alimentação e saúde, estupros, atitude triunfante de prazer auferindo lucros de roubos ao erário público, são ou não são atos de extrema violência, sadismo e crueldade?
O próprio Senhor de Montaigne escrevia que:” é preciso ser vigilante para retesar e endurecer contra a existência dos vícios”. Claro que isso é uma função de governo, uma vontade política de ter uma “política de segurança pública”. O fato é que vivemos a sós, abandonados nas “ruas da vida” sem o mínimo de proteção à nossa integridade física e psíquica!
Sigmund Freud sempre repetia que a psicoterapia psicanalítica era uma forma de “civilizar os instintos(pulsões), domesticá-los. Somos hoje, principalmente os homens rotulados de seres do “primeiro mundo”, mais bárbaros e violentos quando se trata de viverem suas vidas em função de prazeres individualistas, egocêntricos e narcísicos!
Aprendamos ainda com nosso mestre Montaigne: “Devemos justiça aos homens, e bondade e benevolência às outras criaturas capazes de recebê-las. Há certa relação entre elas e nós e certa obrigação mútua. Não temo confessar a ternura de minha natureza tão pueril que me leva a não recusar ao meu cão a festa que me oferece fora de hora ou que me pede. Os turcos têm obras de caridade e hospitais para bichos...”
Nós, do mundo contemporâneo estamos a cada dia mais, assaltando recursos que seriam para alimentar nossas crianças; para tratar as doenças dos nossos indigentes; sabotando uma assistência à saúde aos que pagam horrores de seguro e de imposto; comendo e dilapidando o pouco que se tem, e os direitos obrigatórios pregados em nossa Constituição.
O “Inferno de Dante” é aqui! Estamos chegando ao FIM, ou ainda resta uma esperança de MUDANÇAS? Oxalá alcancemos a politização dos nossos jovens; oxalá tenhamos ainda tempo de rever os critérios éticos que nossa sociedade perdeu; oxalá os nossos governantes e políticos possam acordar do “pesadelo da crueldade”, e desse modo, enxergar a alteridade, o Outro, semelhante e diferente de si, e caia numa consciência de responsabilidade.
A crueldade humana é intrínseca, inata e aprendida no decorrer da formação do nosso Eu. Causas hereditárias, trans geracionais, aspectos íntimos da tessitura da mente humana; causas ambientais, a começar por traços perversos e malignos de certos pais, e por uma influência ambiental que desde o começo da história do homem mostra jogos cruéis, sádicos, acompanhados de prazer. É óbvio que o ato cruel engendra sua consequência de prazer, vide as brincadeiras infantis e os jogos da antiguidade em cenários romanos, onde celebravam festas para matar animais, escravos e inimigos do governo em praça pública e, espetáculos de enforcamento sendo comemorados por populações, embevecidas de grande satisfação e prazer. Assim, a crueldade, os aspectos sádicos da personalidade humana, são rituais de satisfações após provocarem dores físicas e psíquicas.
Humberto Eco, escritor italiano, ensaísta, crítico de arte e literatura, em seu magnífico livro – “História da Feiura”, traduzido por Eliana Aguiar pela Editora Globo, no capítulo “Satanismo, sadismo e prazer da crueldade, nos lembra o famoso Marquês de Sade quando diz:”... estava muito longe de acreditar que o homem, a exemplo dos animais ferozes, só poderia gozá-los vendo fremir de pavor suas companheiras...quando Antônio terminou com gritos tão furiosos, com incursões tão mortais a todos os recônditos do meu corpo, com mordidas tão semelhantes, enfim, às sangrentas carícias de um tigre...” São descrições das nuances da crueldade humana e da capacidade maligna de retirar prazer pela dor do outro.
No entanto, é em nosso pensador, ensaísta, escritor, Michel Eyquem, Seigneur de MONTAIGNE, nascido em 1533, que encontramos uma das mais belas descrições, em seu Ensaio – “Sobre a Crueldade”. Após passear sobre questões ligadas à bondade, compaixão e piedade, Senhor de Montaigne, captando características da alma humana, fala da crueldade, da maldade: “Entre os vícios, odeio cruelmente a crueldade, tanto por natureza como por julgamento, como sendo o extremo de todos os vícios... Os selvagens não me ofendem tanto por assarem e comerem os corpos dos falecidos quanto aqueles que os atormentam e perseguem quando são vivos... Quanto a mim, tudo o que, na própria justiça, vai além da morte simples me parece crueldade...”
Montaigne me parece totalmente atual quando naquele época, no século XVI, escreve:” Vivo numa época em que abundam exemplos inacreditáveis desse vício da crueldade, pelas desordens de nossas guerras civis, e não vemos nada de mais extremo nas histórias antigas do que aquilo que assistimos todos os dias... Eu mal era capaz de me convencer, antes de tê-lo visto, que pudesse existir almas tão ferozes que quisessem cometer assassínios só pelo prazer; retalhar e cortar membros de alguém; aguçar o espírito para inventar torturas inusitadas e mortes novas, sem inimizade, sem proveito, e só para o fim de gozar do agradável espetáculo, dos gestos e movimentos lastimáveis, dos gemidos, dos gritos lamentáveis de um homem morrendo em agonia... Mas quando encontro entre as opiniões mais moderadas raciocínios que tentam mostrar a semelhança estreita entre nós e os animais...”
O leitor está a perguntar o sentido desse meu “improviso”, ou mesmo paráfrases de textos famosos sobre a crueldade humana! Sim, não poderia deixar de associar passagens tão inesquecíveis de escritores geniais com o que acontece hoje, nesse mundo pós-moderno, nessa nossa civilização da “tecnocracia, dos avanços econômicos e científicos”. Crescemos, desenvolvemos, criamos e ampliamos a cultura, mas lateja e dói no coração de cada ser humano, hoje, o atraso ou, me parece, a involução do animal humano. Estamos a cada dia mais bárbaros, sedentos de fome, voracidade, inveja e desejo de usar os nossos semelhantes para obtermos prazeres materiais, sexuais e de enriquecimento ilícito. Dos bandidos e assassinos da rua aos homens “ditos de bem”, todos eles usam os mesmos métodos de crueldade para sentir prazer, matando os demais, matando de morte física, de fome, de privação de humanidade, assim como torturando psiquicamente o outro. Vandalismo, saques, corrupção, desvio de verbas para alimentação e saúde, estupros, atitude triunfante de prazer auferindo lucros de roubos ao erário público, são ou não são atos de extrema violência, sadismo e crueldade?
O próprio Senhor de Montaigne escrevia que:” é preciso ser vigilante para retesar e endurecer contra a existência dos vícios”. Claro que isso é uma função de governo, uma vontade política de ter uma “política de segurança pública”. O fato é que vivemos a sós, abandonados nas “ruas da vida” sem o mínimo de proteção à nossa integridade física e psíquica!
Sigmund Freud sempre repetia que a psicoterapia psicanalítica era uma forma de “civilizar os instintos(pulsões), domesticá-los. Somos hoje, principalmente os homens rotulados de seres do “primeiro mundo”, mais bárbaros e violentos quando se trata de viverem suas vidas em função de prazeres individualistas, egocêntricos e narcísicos!
Aprendamos ainda com nosso mestre Montaigne: “Devemos justiça aos homens, e bondade e benevolência às outras criaturas capazes de recebê-las. Há certa relação entre elas e nós e certa obrigação mútua. Não temo confessar a ternura de minha natureza tão pueril que me leva a não recusar ao meu cão a festa que me oferece fora de hora ou que me pede. Os turcos têm obras de caridade e hospitais para bichos...”
Nós, do mundo contemporâneo estamos a cada dia mais, assaltando recursos que seriam para alimentar nossas crianças; para tratar as doenças dos nossos indigentes; sabotando uma assistência à saúde aos que pagam horrores de seguro e de imposto; comendo e dilapidando o pouco que se tem, e os direitos obrigatórios pregados em nossa Constituição.
O “Inferno de Dante” é aqui! Estamos chegando ao FIM, ou ainda resta uma esperança de MUDANÇAS? Oxalá alcancemos a politização dos nossos jovens; oxalá tenhamos ainda tempo de rever os critérios éticos que nossa sociedade perdeu; oxalá os nossos governantes e políticos possam acordar do “pesadelo da crueldade”, e desse modo, enxergar a alteridade, o Outro, semelhante e diferente de si, e caia numa consciência de responsabilidade.
“Tristeza da Infância”
Poema de William Blake
Minha mãe, queixosa; meu pai choroso!
Mergulhei no mundo perigoso:
Aos gritos, nu, desamparado,
Como um demônio em céu nublado
Nas mãos de meu pai, com coragem,
Debati-me contra as bandagens.
Decidi, atado e exaurido,
No seio materno ser nutrido.
Mergulhei no mundo perigoso:
Aos gritos, nu, desamparado,
Como um demônio em céu nublado
Nas mãos de meu pai, com coragem,
Debati-me contra as bandagens.
Decidi, atado e exaurido,
No seio materno ser nutrido.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
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