Existem poucos homens que, ao invés de se somar à paisagem, as reconstroem. Carlos Páez Vilaró foi um desses homens. Pintor, escritor, construtor, escultor, Vilaró era um artista precedido por suas habilidades, fiel a um dom.
Vilaró encheu o Uruguai, seu país de origem, de formas, o mundo de murais, casas e museus de cores. Apaixonado pelo carnaval – sim, o Uruguai celebra o carnaval com tambores em ritmos locais herdados dos escravos africanos – o artista devolveu ao país um pouco de suas origens afro descendentes.
Para os ricos e privilegiados, deitou perto de Punta del Este o Hotel Casapueblo, um castelo com ares mediterrâneos, algo hibrido entre Gaudí e Miró, sem deixar que sua mente e as mãos que moldaram tantas paisagens perdessem seu toque único e especial.
Quando deixou nesta semana a paisagem que ajudou a moldar, aos 90 anos de idade, o Uruguai e admiradores de todo o mundo pararam um instante para pensar no universo de Vilaró. Foi enterrado com honras de Chefe de Estado. Entre os que mais lamentavam estava Pepe Mujica.
“Ele era parte importante da história artística popular do Uruguai”, disse o Presidente sobre o artista que passou boa parte de sua juventude em Buenos Aires.
Do Brasil, levava consigo a admiração por Oscar Niemeyer, outro homem que modificou paisagens. Vilaró e Niemeyer se conheceram em Brasília, onde o uruguaio encontrou um apressado arquiteto desenhando uma capital, ao mesmo tempo em que era erguida.
Sem perder a esperança, se sentou à beira da cordilheira por dois meses esperando a volta do filho, um dos passageiros do avião chileno que transportava jogadores de rugbye que caiu na cordilheira dos Andes em 1972.
Carlos Miguel Páez Rodriguez apareceu com os outros sobreviventes no Natal de 1972. As angústias passadas durante meses em um dos ambientes mais inóspitos do planeta, e nas quais se incluem mortes e canibalismo, foram retratadas no livro “Entre mi Hijo y yo, la Luna”, de Vilaró, e em filme hollywoodiano.
Intuitivo, Vilaró era autodidata e perseverante. “Temos que seguir caminhando. Quando me perguntam se sou pintor, eu digo que não, sou um fazedor de coisas. Sou um homem de tentativas: tentei cerâmica sem ser ceramista, tentei construir sem ser arquiteto, tentei pintar sem professores, tentei fazer música sem ser compositor”.
Certa vez contou que, enquanto esperava o regresso de seu filho das cordilheiras, se lembrou de uma frase de Walt Whitman:
“Se não me encontras de imediato, não te desanimes; se não estou naquele lugar, procure-me em outro. Espero-te, em algum lugar estarei te esperando”.
Há muito lugares para encontrar Vilaró.
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. Escreve aqui todos os sábados.
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