O Estado de S.Paulo - 08/12
Em tempos de ditadura militar e de moratória da dívida externa em 1982, navios petroleiros ficavam vários dias do mês de dezembro ancorados no mar, esperando chegar janeiro e virar o ano para só então desembarcar no Brasil o carregamento de petróleo. Navio parado tem custo, mas o governo do general Figueiredo preferia pagá-lo a ver o resultado do ano da balança comercial piorar com o aumento do valor das importações. Era um artifício? Claro, mas respeitava a lei e a lógica do calendário.
O governo Dilma Rousseff também tem recorrido a artifícios para melhorar o saldo comercial: contabiliza as importações só seis meses depois do desembarque do petróleo e registra como exportação operações de "venda ao exterior" de plataformas que nunca deixaram o território brasileiro. Os dois artifícios foram criados e legalizados no governo Dilma, mas não atendem à lógica do calendário e insultam a inteligência humana: no caso das plataformas, o efeito é meramente estatístico - mesmo sem entrar nenhum centavo de dólar no País, o registro engrossa o resultado final das exportações.
Em novembro, por exemplo, a receita de US$ 1,83 bilhão com exportação de plataformas foi crucial para a balança fechar o mês com saldo de US$ 1,7 bilhão. E, ao longo do ano, essas operações somaram US$ 6,58 bilhões. Já as importações explodiram em valor nos primeiros seis meses de 2013 com a contabilização dos desembarques de óleo efetuados no ano anterior. Entre trapalhadas e confusão, a balança global de comércio acumula inédito déficit de US$ 89 milhões até novembro, nunca visto desde o ano 2000. Para dezembro, no entanto, o governo garante um resultado melhor. E vai ser mole, basta aplicar a manobra contábil. Aliás, ela já vem sendo usada: no mês passado o déficit comercial com petróleo e derivados já foi 70% inferior ao de outubro. Em dezembro será ainda melhor.
Não bastasse o papel decisivo que exerce no controle da inflação - que ela não criou, não é responsável nem é seu foco de negócio -, o governo também abusa da Petrobrás para aliviar o resultado comercial. É parte da desacreditada e desmoralizada contabilidade criativa de suas contas, que não engana ninguém e serve apenas para aumentar a perda de credibilidade dos investidores na gestão econômica do Brasil. Mas, como artifícios e manobras têm perna curta, a verdade logo aparece. E, neste caso, com uma agravante: administrados com incompetência, só conseguem produzir estragos. Se não, vejamos:
Para controlar a inflação, o governo não reajusta os preços dos combustíveis e força a Petrobrás a vendê-los com prejuízo; descapitalizada, ela se endivida mais do que permite o bom senso para cumprir o plano de investimentos que o governo a obriga a assumir (entre eles o pré-sal); com o caixa em baixa, ela investe menos em expansão da produção no País e recorre à importação de derivados para suprir a demanda; este ano ela já acumula um déficit comercial de US$ 19,5 bilhões, prejudicando o resultado global da balança e contribuindo para elevar o déficit em conta corrente, que já está na perigosa marca de 3,7% do PIB.
E não pense o leitor que o estrago atinge só a Petrobrás: as trapalhadas do governo na estatal há três anos derrubam o preço de suas ações na Bovespa (na segunda-feira, o tombo chegou a 10,37% e só neste dia ela perdeu R$ 24 bilhões em valor de mercado) e, de carona, leva em enxurrada todo o mercado de capitais.
Tem razão o ex-ministro Delfim Netto, em discurso na última terça-feira: "O que Dilma fez com a Petrobrás foi uma verdadeira tragédia".
Educação, PIB, corrupção. A semana passada foi uma semana carregada de más notícias. O Brasil ocupa o 58.º lugar no ranking de 65 países no ensino médio (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes - Pisa); no ensino universitário, só quatro universidades brasileiras estão entre as cem primeiras de países emergentes; em 177 países, o Brasil piorou da 69.ª para a 72.ª posição em pesquisa sobre corrupção no setor público; o Produto Interno Bruto (PIB) desaba 0,5% entre o segundo e o terceiro trimestres do ano; incêndio destrói o auditório do Memorial da América Latina. E vai por aí. Mas há também uma boa notícia: leilão de três rodovias brasileiras tem deságio de 52% na tarifa de pedágio. Finalmente o governo aprendeu: desistiu de tabelar o lucro de investidores em licitações, deixou para eles disputarem entre si a menor tarifa de pedágio e o leilão foi um sucesso.
Para quem começou a governar fazendo faxina e demitindo ministros corruptos, é decepcionante chegar ao fim do terceiro ano de gestão sem nenhum progresso no combate à corrupção, até ao contrário, com recuo. Infelizmente, Dilma Rousseff não demorou a se render ao estilo Lula de governar, atraindo partidos com cargos, verbas e favores, e construindo um enorme leque de alianças com um único fim: ganhar e ganhar eleição. Lula e o PT têm pretensão declarada de ocupar o poder até 2022 e farão o que for preciso para atingir esse objetivo.
Só que, com exceção da ascensão social de milhões de brasileiros da pobreza para a classe média, o projeto Dilma deu errado e a economia vai mal: a inflação é elevada, nunca chega ao centro da meta; o PIB segue em zigue-zague - no segundo trimestre sobe, no terceiro desaba e enfraquece, a média de três anos de crescimento não passa de 2% e o ministro da Fazenda nunca realiza suas fantasiosas projeções; a credibilidade do governo na gestão econômica está no chão; manobras e manobras tentam maquiar as contas públicas e elas só pioram a cada ano; em vez de expandir, o investimento recuou 2,2% entre o segundo e o terceiro trimestres; as taxas de investimento e de poupança (19,1% e 15%) são ridículas para um país que precisa construir o progresso e, ano a ano, incluir milhões de jovens no mercado de trabalho; piorou a qualidade da educação e da saúde; e o investimento em saneamento é quase nulo.
É com esse cenário ruim que o Brasil vai passar por duas provas de fogo em 2014: o rebaixamento ou não de seu grau de investimento pelas agências de classificação de risco - que não gostaram nada do resultado do PIB do País - e a redução dos estímulos monetários da economia americana pelo governo dos Estados Unidos, com efeito imprevisível nos países da América Latina. E será o cenário da campanha eleitoral.
Em tempos de ditadura militar e de moratória da dívida externa em 1982, navios petroleiros ficavam vários dias do mês de dezembro ancorados no mar, esperando chegar janeiro e virar o ano para só então desembarcar no Brasil o carregamento de petróleo. Navio parado tem custo, mas o governo do general Figueiredo preferia pagá-lo a ver o resultado do ano da balança comercial piorar com o aumento do valor das importações. Era um artifício? Claro, mas respeitava a lei e a lógica do calendário.
O governo Dilma Rousseff também tem recorrido a artifícios para melhorar o saldo comercial: contabiliza as importações só seis meses depois do desembarque do petróleo e registra como exportação operações de "venda ao exterior" de plataformas que nunca deixaram o território brasileiro. Os dois artifícios foram criados e legalizados no governo Dilma, mas não atendem à lógica do calendário e insultam a inteligência humana: no caso das plataformas, o efeito é meramente estatístico - mesmo sem entrar nenhum centavo de dólar no País, o registro engrossa o resultado final das exportações.
Em novembro, por exemplo, a receita de US$ 1,83 bilhão com exportação de plataformas foi crucial para a balança fechar o mês com saldo de US$ 1,7 bilhão. E, ao longo do ano, essas operações somaram US$ 6,58 bilhões. Já as importações explodiram em valor nos primeiros seis meses de 2013 com a contabilização dos desembarques de óleo efetuados no ano anterior. Entre trapalhadas e confusão, a balança global de comércio acumula inédito déficit de US$ 89 milhões até novembro, nunca visto desde o ano 2000. Para dezembro, no entanto, o governo garante um resultado melhor. E vai ser mole, basta aplicar a manobra contábil. Aliás, ela já vem sendo usada: no mês passado o déficit comercial com petróleo e derivados já foi 70% inferior ao de outubro. Em dezembro será ainda melhor.
Não bastasse o papel decisivo que exerce no controle da inflação - que ela não criou, não é responsável nem é seu foco de negócio -, o governo também abusa da Petrobrás para aliviar o resultado comercial. É parte da desacreditada e desmoralizada contabilidade criativa de suas contas, que não engana ninguém e serve apenas para aumentar a perda de credibilidade dos investidores na gestão econômica do Brasil. Mas, como artifícios e manobras têm perna curta, a verdade logo aparece. E, neste caso, com uma agravante: administrados com incompetência, só conseguem produzir estragos. Se não, vejamos:
Para controlar a inflação, o governo não reajusta os preços dos combustíveis e força a Petrobrás a vendê-los com prejuízo; descapitalizada, ela se endivida mais do que permite o bom senso para cumprir o plano de investimentos que o governo a obriga a assumir (entre eles o pré-sal); com o caixa em baixa, ela investe menos em expansão da produção no País e recorre à importação de derivados para suprir a demanda; este ano ela já acumula um déficit comercial de US$ 19,5 bilhões, prejudicando o resultado global da balança e contribuindo para elevar o déficit em conta corrente, que já está na perigosa marca de 3,7% do PIB.
E não pense o leitor que o estrago atinge só a Petrobrás: as trapalhadas do governo na estatal há três anos derrubam o preço de suas ações na Bovespa (na segunda-feira, o tombo chegou a 10,37% e só neste dia ela perdeu R$ 24 bilhões em valor de mercado) e, de carona, leva em enxurrada todo o mercado de capitais.
Tem razão o ex-ministro Delfim Netto, em discurso na última terça-feira: "O que Dilma fez com a Petrobrás foi uma verdadeira tragédia".
Educação, PIB, corrupção. A semana passada foi uma semana carregada de más notícias. O Brasil ocupa o 58.º lugar no ranking de 65 países no ensino médio (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes - Pisa); no ensino universitário, só quatro universidades brasileiras estão entre as cem primeiras de países emergentes; em 177 países, o Brasil piorou da 69.ª para a 72.ª posição em pesquisa sobre corrupção no setor público; o Produto Interno Bruto (PIB) desaba 0,5% entre o segundo e o terceiro trimestres do ano; incêndio destrói o auditório do Memorial da América Latina. E vai por aí. Mas há também uma boa notícia: leilão de três rodovias brasileiras tem deságio de 52% na tarifa de pedágio. Finalmente o governo aprendeu: desistiu de tabelar o lucro de investidores em licitações, deixou para eles disputarem entre si a menor tarifa de pedágio e o leilão foi um sucesso.
Para quem começou a governar fazendo faxina e demitindo ministros corruptos, é decepcionante chegar ao fim do terceiro ano de gestão sem nenhum progresso no combate à corrupção, até ao contrário, com recuo. Infelizmente, Dilma Rousseff não demorou a se render ao estilo Lula de governar, atraindo partidos com cargos, verbas e favores, e construindo um enorme leque de alianças com um único fim: ganhar e ganhar eleição. Lula e o PT têm pretensão declarada de ocupar o poder até 2022 e farão o que for preciso para atingir esse objetivo.
Só que, com exceção da ascensão social de milhões de brasileiros da pobreza para a classe média, o projeto Dilma deu errado e a economia vai mal: a inflação é elevada, nunca chega ao centro da meta; o PIB segue em zigue-zague - no segundo trimestre sobe, no terceiro desaba e enfraquece, a média de três anos de crescimento não passa de 2% e o ministro da Fazenda nunca realiza suas fantasiosas projeções; a credibilidade do governo na gestão econômica está no chão; manobras e manobras tentam maquiar as contas públicas e elas só pioram a cada ano; em vez de expandir, o investimento recuou 2,2% entre o segundo e o terceiro trimestres; as taxas de investimento e de poupança (19,1% e 15%) são ridículas para um país que precisa construir o progresso e, ano a ano, incluir milhões de jovens no mercado de trabalho; piorou a qualidade da educação e da saúde; e o investimento em saneamento é quase nulo.
É com esse cenário ruim que o Brasil vai passar por duas provas de fogo em 2014: o rebaixamento ou não de seu grau de investimento pelas agências de classificação de risco - que não gostaram nada do resultado do PIB do País - e a redução dos estímulos monetários da economia americana pelo governo dos Estados Unidos, com efeito imprevisível nos países da América Latina. E será o cenário da campanha eleitoral.
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