domingo, 8 de dezembro de 2013

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Félix, a metáfora da corrupção polimorfa


CARLOS VIEIRA
Félix, personagem amado e odiado por várias pessoas, brilhantemente interpretado por Matheus Solano, mostra agora um aspecto interessante, importante e fundamental na origem dos ditos “comportamento psicopáticos e associais”.
Recentemente em dois capítulos ficou evidente uma chamada do diretor da novela, Wolf Maya, escrita por Walcir Carrasco – Amor à Vida - quanto à possibilidade de denunciar fatores da gênese desse distúrbios de comportamento.
Desde o início da história, aparece uma personagem, o nosso Félix. Numa esplêndida performance do Ator, Félix ganha cena a cada dia, e está cantado em recortes diários nas redes sociais. Penso que o que está implícito nesse pape, tem sido uma imagem especular de questões que vivemos em nossa, dita sociedade pós-moderna, e também em nosso cenário social e político. Atos premeditados de falcatruas, corrupções, distúrbios hostis de sadismo, homicídios e outras tantas condutas perversas do “animal-humano”.
Uma personalidade calculista, fria, astuta e profundamente carente de afeto. Sozinho em suas elaborações de um “vampirismo” guloso e voraz, que tem por objetivo tomar o poder, controlar as pessoas e imprimir na vida, um ideal de controlar, tripudiar, matar, usar e manipular os seus semelhantes para obter facilidades que evidenciam práticas individuais e grupais em nosso Brasil. Corromper todos, justificando-se pelo seu sentimento de exclusão e desamor; que o mundo lhe deve tudo e tem direito de lutar, mesmo que essa luta seja feita sob o predomínio da Perversão.
Não existe o direito a ter uma vida melhor, mediada pelo Trabalho, e sim pela transgressão e benefícios de relações mafiosas.
A novela mostra e continua mostrando um aspecto doloroso da vida de algumas pessoas: a busca e curiosidade sobre sua origem. É sempre arriscado procurar nossas origens, pois podem ser revelados aspectos desagradável dos quais não queremos nos responsabilizar.
Félix vai a cada dia buscando explicações, e afinal achou: Seus genitores revelam que desde criança, fato enfatizado por sua mãe, que o menino era voraz, impetuoso, queria tudo para si, criava encrencas e mostrava uma permanente rivalidade para ser o “preferido”. Seu pai chega a desabafar o ódio que tinha dele, e mais, chega a acusa-lo de “homossexual”, sob o ponto de vista moral, estigmatizado e cruel. A homossexualidade há muito que deixou de ser rotulada como uma anomalia perversa pela Classificação Internacional das Doenças Mentais. Razões existem, e a novela mostra, para que fatores genéticos, constitucionais e ambientais sejam aspectos determinantes desse modo de escolha sexual.
O ódio de sua mãe, o desprezo de seu pai, os aspectos instituais do próprio Félix, revelam o mistério, os fatores conscientes e inconscientes de uma personalidade com comportamentos antissociais. Querer tudo pra si, não suportar existência de irmãos, não tolerar as diferenças e não se inserir no meio de um grupo familiar sem ser “exceção”, é tudo que nosso personagem não digere. Sua incapacidade de amar e consequentemente não ser amado, são a marca dolorosa de quem o ódio, a cobiça, o desejo por bens materiais predominam como objetivo de vida.
Temos algum sentimento de compaixão em relação aos “Félixes” da vida? Temos sim, pois o sofrimento humano, a perda da capacidade de sentir amor pelos outros e pelos os grupos humanos remetem a uma vida de “Solidão”. Félix é só, no fundo uma pessoa depressiva, mas que não pode se deprimir, pois lhe falta uma condição essencial para considerar o Outro – o sentimento de culpa. O que faz os “corruptos” a continuarem sua vida de exploração dos seus semelhantes em busca de prazer de acumular bens materiais e prazeres efêmeros é a incapacidade de sentir culpa. Traficam, criam redes perversas, grupos de extermínio, quadrilhas para corromper, obtenção de benefícios daqueles que têm o Poder, para preencherem um “vazio existencial”, um “ódio às origens”, assim como a tristeza proveniente de uma inveja e voracidade que nunca serão satisfeitas. Mas eles tentam, perseguem esse objeto, tanto no aspecto individual como social. A novela revela com clareza os aspectos temáticos da nossa sociedade. Félix é a “metáfora” do filho que já nasceu com instintos destrutivos predominantes aos instintos amorosos. Revela a astúcia de alguém que sempre quer vantagens, excepcionalidade e deseja dominar tudo e todos. Vem daí aspectos de pessoas ou grupos de pessoas que instauram as ditaduras, os regimes de eterno poder, a tirania para manter suas benesses, as falcatruas corruptas para esvaziar o dinheiro do povo que paga impostos, as influências com nomeações de cargos administrativos, somente dos “amigos das gangues”. Felix quer tomar “hospitais da vida”, quer arrancar benefícios com medidas perversas de benefícios próprios, mesmo que o meio de adquiri-los seja contrabandear aparelhos, ferramentas cirúrgicas, próteses mamárias e ortopédicas, práticas comuns entre alguns médicos e empresas da medicina. Mas isto é a metáfora da patologia da perversidade humana em nossos rincões. 
A família do personagem não fica à deriva! Oferece exemplos dessas mesmas corrupções.
Questiono: hoje em dia em algumas famílias, as funções maternas e paternas não estão favorecendo “modelos de identificação” aos seus filhos, modelos que cuidem da ética, da justiça e da amorosidade. Estamos num mundo caótico de valores e virtudes. Estamos mergulhados numa sociedade egocêntrica, individualista, perversa e animalesca, onde o Ter predomina sobre o Ser.
Não somente algumas famílias, mas também na Justiça, no Legislativo, no Executivo e em algumas facções do mundo Empresarial, não se cuidam da Ética e da manutenção de um mundo civilizado, se é que temos. O “animal-humano”, mesmo com seu crescimento tecnológico, continua mais “animal” do que “humano”. É o que chamo de “Síndrome de Carcará”: pega, mata e come, para satisfazer prazeres individuais e egoísticos. 
A cultura, a literatura, o teatro, a televisão, enfim, as Artes em geral, e a novela é um delas com a maior presença na casa de todo mundo, têm esse compromisso social de denunciar o que se passa diante dos nossos olhos, mas tem gente que não vê ou se faz de cego, para não se comprometer.
A politização da juventude brasileira nunca foi tão necessária como nos dias atuais! Caso não cuidemos dela, caso o Governo não dê liberdade para sua implantação desde as escolas primárias, nada vai mudar para sanearmos nosso País, dos “Félixes” da parte corrupta da nossa sociedade. Saúde, moradia, melhoria da renda, e outros direitos constitucionais, não têm sentido se a partir da escola básica não se crie um mentalidade politizada. Só temem à politização, os grupos que querem a preservação no Poder para obter vantagens próprias ferindo abertamente os direitos dados pela Constituição!
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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