terça-feira, 5 de novembro de 2013

Síndrome da PDVSA - ANTONIO MACHADO


CORREIO BRAZILIENSE - 05/11
Uma grande petroleira com controle majoritário estatal, em resumo, tem duas vocações: focar a atividade principal, servindo ao país e aos acionistas, como fez a Petrobras na maior parte do tempo de sua existência sexagenária, ou atender a vários objetivos, tipo agência social e de desenvolvimento do governo de turno - caso da exaurida PDVSA, da Venezuela. Qual delas se deu melhor nesses anos?
É essa resposta que a diretoria da Petrobras, sob o comando de sua presidente Graça Foster, cobra do governo Dilma Rousseff. Desde que os aumentos dos preços da gasolina e do diesel passaram a depender de autorização informal do ministro Guido Mantega, que acumula o Ministério da Fazenda com a direção do Conselho de Administração da estatal, o seu caixa, ou receita operacional, verga sob o peso de seu fabuloso plano de investimento de cinco anos.

A Petrobras tem de investir quase US$ 50 bilhões ao ano até 2017, e ainda há o pré-sal para desbravar como a operadora única de todos os campos licitados sob o regime de partilha da produção, como o de Libra, além de ter obrigatoriamente, segundo a nova lei do petróleo, um mínimo de 30% dos desembolsos em cada área (no caso de Libra, a fatura foi de 40% para fechar a conta com os demais sócios - Shell, Total e duas petroleiras chinesas). De onde sairá o caixa para tais obrigações? Essa é a pergunta oculta da proposta enviada a Dilma.

A resposta põe em questão a instrumentalização da Petrobras para outros fins que não sua atividade principal de pesquisar e produzir petróleo, para exportá-lo em forma bruta ou refiná-lo para consumo no mercado doméstico. O receio com a inflação, razão de Mantega dar de costas à autonomia da empresa para definir a política de preços, é o que desfalca o seu caixa. E é com ele que a estatal banca mais de metade de seu plano de investimentos. Esse é um dado crítico.

Dificuldade é artificial
Outro é que, a rigor, a Petrobras apresenta defasagem de caixa não por causa da gasolina e do diesel (os demais derivados, como nafta e querosene de aviação, seguem os preços de mercado). O gargalo vem da relação entre a geração de receita, sendo a gasolina o ganha-pão da estatal, e o que ela se viu forçada a arcar pela lei aprovada no governo Lula. Fosse menos restritiva ao capital privado, tal como o modelo de concessão (que não foi revogado), a conta do investimento poderia ser rateada. Visto por tal ótica, o problema é artificial.

O modelo de partilha é o meio de o governo exercer maior controle sobre o ritmo da produção, não sobre a receita. Dependendo da taxa de exploração, entre royalties e cobranças parafiscais, os regimes de concessão e de partilha são equivalentes. Mas é esse último que permitiu ao PT criticar a lei de concessão aprovada no governo FHC, criando a ideia de que o Estado deveria receber mais na exploração do pré-sal, por ser menor o risco exploratório. Isso se vai ver.

Governo teme o que fazer
No caso da concessão de Libra, o grosso do custo de exploração em termos individuais é da Petrobras, não de seus sócios. Mas isso não é o que a empresa questiona e, sim, que lhe falta preço para bancar o custo do pré-sal. Sua capacidade de endividamento, dada pelo seu patrimônio, também bateu no teto. Os críticos da licitação de Libra ignoram tal restrição, como se o tamanho do campo bastasse para se endividar à larga e tocar o desafio sem parcerias. Isso é falso.

O conselho de administração da Petrobras vai examinar o plano que a presidente da estatal chamou para si em reunião no dia 22. Não há decisão tomada, mas há alguma confusão. Mantega disse desconhecer o plano proposto e uma fonte do Palácio do Planalto afirmou, na sexta-feira, que a presidente aprovava a ideia de um gatilho para ajuste dos preços dos combustíveis. Nesta segunda-feira, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República desmentiu que Dilma tivesse opinião formada sobre a proposta. De fato, não há gatilho nenhum.

As escolhas estão postas
A Petrobras sugere um mecanismo automático de fixação do preço com base na variação cambial, no preço da gasolina nos EUA e na cotação internacional do barril de petróleo. Não foi dito se a fórmula terá efeito retroativo. Provavelmente, não. É desnecessário. Basta a ela compensar as defasagens quando importa gasolina a um custo maior do que vende ao mercado interno, mais uma margem para o caixa voltar a cobrir a maior parte dos investimentos, aliviando suas dívidas.

Qual o nexo do pleito? Sem as reservas da Venezuela, as maiores do mundo, a Petrobras chegou à Bacia de Campos, quando o país dependia do petróleo importado, depois ao pré-sal, com a dívida controlada. Já a PDVSA, submetida ao chavismo, hoje produz cerca de 40% do que produzia em seu melhor momento. Ambas são gigantes - um à deriva, o outro defendendo sua missão estratégica. As escolhas estão postas.

O nacionalismo foi puído
As decisões políticas têm consequências. Ao pretender da Petrobras o que suas contas não permitem - monopolizar a operação do pré-sal, além de servir de instrumento de política industrial (incentivando a produção nacional, mesmo a um custo maior que os importados) e de linha auxiliar do Banco Central -, o governo, na prática, puiu sua retórica nacionalista e de crítica à privatização.

Tais riscos não deveriam existir, pois, segundo se ouviu de gente do primeiro escalão do governo durante a tramitação no Congresso da lei que introduziu o modelo de partilha, o monopólio na operação do pré-sal entrou como agrado a setores nacionalistas e para negociar, sobretudo com o PMDB. Só que ninguém se opôs. A chefia da Petrobras à época, além disso, desconsiderou a inconsistência entre o caixa e o que a lei exigia, embora não esperasse que a gasolina acabasse represada no altar na inflação. Deu tudo errado.

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