Oswaldo Mendes
É estranho supor que Samuel Wainer tenha assumido um jornal sabendo que ele era, ainda que “supostamente”, ligado às tenebrosas milícias
Para se desculpar de apressadamente suspeitar do biógrafo de Roberto Carlos, a quem acusou de citar uma entrevista que ele não teria dado, mas deu, em 1992, Chico Buarque garante que nunca falou em 1970 ao jornal “Última Hora” (de São Paulo) que, segundo acusa, era “supostamente ligado a esquadrões da morte”. No mesmo pedido de desculpas, Chico diz que deu entrevista anos depois, em 1977, para a “Última Hora’ do Samuel Wainer”.
Ao amenizar o fato de discordar do amigo quanto a censurar ou não as biografias, o professor José Miguel Wisnik escreveu em “O Globo” que Chico “tem razão no que diz sobre o Última Hora’ (fui colunista em 1975 e sei bem que o jornal de 1974 era radicalmente diferente do de 1970)”.
Se o compositor e o professor tivessem o rigor dos historiadores, de biógrafos responsáveis e de jornalistas sérios, não confiariam tanto na memória, que pode ser maliciosa e leviana, e checariam fatos, datas, nomes e circunstâncias antes de ligar o ventilador e jogar farinha na biografia dos outros.
Pois eu estava na “Última Hora” (UH) em 1970 –fui registrado em outubro do ano anterior. Em 1974, passei a editor, quando Samuel Wainer assumiu a direção e abriu o jornal a jovens colunistas, entre eles, é verdade, o professor José Miguel.
Chico ignora, e o professor que “sabe bem” não o informa, que Samuel não era mais dono da UH, cuja sucursal de São Paulo ele vendera a Octavio Frias de Oliveira, do Grupo Folha, logo depois do golpe de 1964. Ao voltar do exílio em 1974, Frias, em um gesto de civilidade, ofereceu-lhe a direção do jornal.
Por conta da minha ligação com o então chamado meio artístico, Samuel me elegeu para acompanhá-lo na sua reaproximação com a vida paulistana. Por meses, depois do fechamento, saíamos pelos teatros, shows, eventos e restaurantes badalados de então. Sedutor, Samuel logo ficou amigo de todo mundo.
Mas como o professor José Miguel diz “saber bem” a diferença entre a UH de 1970 e a de 1974, gostaria que ele nos ministrasse uma aula e nos tirasse da ignorância. Para ajudá-lo, lembro que foi na redação da UH que aconteceram as reuniões que transformaram em 1971 a Associação Paulista de Críticos de Teatro em Associação Paulista de Críticos de Arte. À frente estava João Apolinário, poeta português que se exilara no Brasil fugindo da ditadura de Salazar. Ele achava que os jornalistas críticos de arte deveriam se juntar aos artistas na luta contra a censura em uma entidade forte.
Lembro ainda o professor que, na mesma época, um dos colunistas da UH era Plínio Marcos, que já não encontrava emprego em lugar nenhum e cujas peças de teatro estavam proibidas pela ditadura.
Não é estranho que um jornal dos esquadrões da morte acolhesse alguém como Plínio? Mais estranho ainda que o professor (e o compositor) imagine que Samuel tenha assumido um jornal sabendo que ele era, ainda que “supostamente”, ligado às tenebrosas milícias.
Enfim, em respeito à memória de Plínio, Apolinário e Samuel, e em respeito aos sobreviventes, esperamos que o professor nos ilumine e diga hoje o que não sabíamos na época. Éramos todos imbecis desinformados (“inocentes úteis” como se dizia)? Por que o professor e o seu amigo compositor não nos alertaram? Não aleguem falha de memória, pois ela não desculpa a leviandade de apontar o dedo a esmo sobre a biografia alheia.
OSWALDO MENDES, 67, ator e dramaturgo, foi diretor do “Última Hora” (1978-79), subsecretário
de Redação da Folha e autor de “Bendito Maldito “” Uma Biografia de Plínio Marcos”. (artigo enviado por Mário Assis)
de Redação da Folha e autor de “Bendito Maldito “” Uma Biografia de Plínio Marcos”. (artigo enviado por Mário Assis)
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