sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Enviesamentos e atitudes que geram perdas em Negociação – O Oculto e Irracional Negociador que também há em nós


negociação
Caro leitor, este artigo encerra uma série de cinco sobre Negociação, publicados nos últimos meses no Clube das Vendas. A sua leitura pode ser feita por si só, embora venha na sequência dos quatro anteriores.
Pretendo neste último abordar alguns enviesamentos perceptivos e atitudinais que, subliminarmente, e muitas vezes sem que tenhamos consciência, nos levam a adoptar comportamentos desadequados em negociação, em particular quando solicitamos e realizamos cedências.

Mito da Soma Fixa
O primeiro enviesamento é o do mito da soma fixa. Já falámos muito sobre este assunto nos artigos anteriores. Este mito consiste na crença de que o que está em jogo na negociação é algo que se pode dividir, mais ou menos, ao meio. Implica que entendamos que aquilo que podemos ganhar está na justa medida daquilo que o outro pode perder, e vice-versa. O seu pressuposto, sempre falacioso, é a crença de que é possível haver algo de absolutamente igual valor para duas pessoas ou entidades diferentes. Ou seja, significa ignorar totalmente o potencial integrativo do que está a ser negociado e agir no pressuposto de que a única estratégia possível e adequada de negociação é a distributiva; De natureza competitiva, portanto.
Sobre este tema reenvio o leitor para os artigos anteriores desta série, em particular para os dois primeiros.

Presunção em Relação a Perdas e Ganhos
Um outro enviesamento é o da presunção de que o outro tem a mesma atitude que nós em relação ao risco e às perdas e ganhos. No fundo, é a crença de que o nosso interlocutor tem uma personalidade igual à nossa, já que é essencialmente a traços personalísticos que me refiro. Por exemplo, há personalidades que se focam mais em estratégias que visam, sobretudo, minimizar eventuais perdas, e há personalidades que se concentram na maximização de ganhos, mesmo que isso implique um maior risco de elevadas perdas. Não há grande coisa a fazer perante estes traços. Sobretudo, não devemos presumir que o outro tem a mesma personalidade que nós, ou pretender “obrigá-lo” a ter a mesma atitude e estratégia de fundo quanto, por exemplo, a perdas e ganhos. Vamos dar-nos mal. É melhor aceitar a sua atitude de base, e tê-la em conta nas propostas e contra-propostas que lhe fazemos.
É como no futebol. Há umas equipas que, culturalmente, jogam sobretudo à defesa, arriscando pouco, quase nunca perdendo, empatando muitas vezes, e ganhando menos vezes e quase sempre por poucos golos. Há outras que arriscam muito, ganham algumas vezes por grandes goleadas, raramente empatam, e por vezes perdem por grandes diferenças.

Síndrome do Jogador de Golf
A um outro enviesamento podemos chamar síndrome do jogador de golf. Diversos estudos no âmbito da economia comportamental dão indicações muito seguras sobre uma nossa tendência generalizada quanto ao esforço e investimento que estamos dispostos a realizar para evitar perdas ou obter ganhos, de igual monta e probabilidade de acontecerem. Do ponto de vista da negociação, isto implica que, de uma forma geral, tenderemos a ceder mais em troca de evitar ou de diminuir as probabilidades de perder algo, do que em troca de conseguir ou de aumentar as probabilidades de ganhar algo de igual valor e igual probabilidade de acontecer. Em síntese, e simplificando, valorizamos mais as perdas do que os ganhos, tendendo investir mais esforço e cedências para evitar as primeiras do que para conseguir os segundos. Por outras palavras, existe em nós uma forte tendência assimétrica quanto aos esforços que realizamos perante a possibilidade de perdas – mais esforços – ou perante a possibilidade de ganhos – menos esforços.

Excesso de Confiança
Mas há mais enviesamentos perceptivos e atitudinais. Um outro é o excesso de confiança. Consiste, simplesmente, em alimentar expectativas e aspirações desajustadas quanto aos resultados da negociação. Por exemplo, esperar do outro propostas e cedências que estão completamente fora do seu alcance, mesmo que as desejasse. Isto resulta em fazer exigências que só podem ter como resultado bloqueios e rupturas, ou acordos altamente incertos quanto à sua efetiva implementação.
Por vezes iludimo-nos e caímos neste erro porque o outro faz cedências excessivas por pura ignorância ou, até, inépcia. Devemos saber atuar nessas circunstâncias. Acordos que não vão ser implementados porque o seu cumprimento não está, simplesmente, ao alcance das possibilidades do outro, ou porque este vem a descobrir mais tarde que realizou inadvertidamente um acordo altamente desfavorável, não interessam.

Ignorar o Ponto de Vista da Outro
Um outro enviesamento consiste em inferir os interesses do nosso interlocutor a partir dos nossos interesses. Significa presumir que o outro tem os mesmos objectivos que nós, ou que valoriza o que está em questão exatamente da mesma forma.
Na prática, isto é ignorar o ponto de vista da outra parte. É uma forma de cegueira. Consiste em atribuir ao outro os nossos desejos, e resulta em expectativas goradas porque esperamos que ele aceite as nossas propostas que, no entanto, exclusivamente se centram nos nossos interesses, embora possamos não o saber ou reconhecer.

Escalada Irracional
Por fim, gostaria de me referir à escalada irracional. Esta é a tendência para reincidir num erro na expectativa de recuperar, ou de justificar, perdas anteriores.
O leitor já ouviu falar no síndrome do jogador? A este enviesamento também se pode chamar síndrome do jogador perdedor. Consiste, em poucas palavras, na aversão ao risco quando se peorspectivam ganhos, e na atração pelo risco quando se perspectivam perdas de igual monta e probabilidade.
Tentarei clarificar… Para isso, lanço-lhe uma pergunta, caro leitor: Qual é a razão que a maioria dos doentiamente dependentes de jogos a dinheiro apresentam aos outros, e a si próprios, que justifica, a seus olhos, uma imperiosa necessidade de continuar a jogar?
Uma resposta possível poderá ser esta: Porque não conseguem largar o jogo, o vício…
Sim, eu compreendo essa resposta, mas, com a minha pergunta, pretendo saber qual é a justificação – a racionalização – que esses jogadores se apresentam a si próprios, e aos outros, que os “obriga” a continuar a jogar? Que justifica – até, porventura, moralmente! – a necessidade, o dever, até, de prosseguir com o hábito.
O leitor concordará comigo que, muitas vezes, esses jogadores dizem a si próprios que não podem deixar de jogar porque, tendo perdido muito, têm que recuperar. Acontece que, tendo já perdido muitíssimo, só mesmo com um golpe de sorte ao jogo, altamente improvável, é que virão a recuperar tudo o que perderam. Aliás, o mais provável, é continuarem a aumentar o prejuízo…
Em negociação podemos ser vítimas de algo semelhante, e entrar em escalada, por exemplo, competitiva. Por vezes já perdemos e cedemos tanto que já não somos capazes de conceber a hipótese de não se chegar a um acordo. Para isso, continuamos a ceder e a perder cada vez mais, sempre na ânsia de recuperar. E, por vezes, entramos a alimentamos esta escalada apenas com o fito de gerar no outro perdas idênticas às nossas, acentuando-se deste modo o ciclo vicioso através da introdução de questões pessoais de natureza puramente emotiva. Neste ponto, sem nos apercebermos, abdicamos da defesa dos nossos interesses do ponto de vista estrito da racionalidade.
Perguntará o leitor: E como devemos agir se nos virmos em tal situação? Quase todos nós já teremos caído em circunstâncias algo semelhantes, uma ou outra vez… Embora sempre, ou quase sempre, sem consequências muito graves.
Antes de tudo mais, é preciso aceitar de uma vez por todas que há negociações que não terminam, aliás, que não devem terminar num acordo. Ou, dito de outra forma, que devem terminar num acordo sobre o não acordo. Tão só. Isto porque a restante gama de compromissos ainda disponíveis e possíveis não nos interessa.
Por outro lado, é preciso aceitar que por vezes já perdemos tanto que já não é possível recuperar o que foi perdido, pelo menos integralmente. Ou seja, as perdas estão garantidas e a única coisa que há a fazer é minimizá-las.
Compreensivelmente, aceitar isto é mais difícil para aqueles tipos de personalidade, de que falámos atrás, que se focam sobretudo na maximização dos ganhos. A justificação subjacente nesses negociadores poderá ser expressa pelo conhecido aforismo, que podemos dramaticamente apelidar de suicida: Perdido por cem, perdido por mil!
Caro leitor, espero ter contribuído um pouco para o seu auto-conhecimento quanto a possíveis atitudes negociais perdedoras resultantes de enviesamentos perceptivos dos quais possa não estar sempre consciente. Desafio-o a fazer o uso que entender útil.
Até à próxima e racionais e profícuas negociações, é o que lhe desejo!
Gonçalo Coutinho Rodrigues é autor de:

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