segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Bárbaros mascarados - CARTA AO LEITOR


REVISTA VEJA


Estava passando da hora de alguém traçar a linha divisória entre o certo e o errado nessa questão do vandalismo. Em entrevista a emissoras de rádio no Paraná, a presidente Dilma Rousseff reagiu, finalmente, como se espera do chefe da nação: "Eu defendo qualquer manifestação democrática. Agora, sem sombra de dúvida, eu acredito que a violência dos mascarados não é democrática, é antidemocrática, é uma barbárie, e acho que ela tem de ser coibida".

Seria bom para todos se a própria escolha de palavras feita pela presidente se tomasse a regra ao se falar dos vândalos. Dilma os classificou de mascarados, antidemocráticos e bárbaros, isso deixa as coisas bem mais claras. A expressão em inglês que vem sendo usada no Brasil, black blocs. é traiçoeira. Ela dá aos criminosos uma aura de universalidade, como se eles fossem apenas a expressão local de um sentimento profundo legítimo e incomprimível de desconforto com a civilização — ou quem sabe a etapa inicial violenta de uma nova consciência cósmica gestada nas redes sociais da internet que, uma vez amadurecida, vai superar a etapa da selvageria. Não é nada disso.

Uma reportagem desta edição de VEJA procura entender em profundidade as circunstâncias da agressão sofrida na sexta-feira passada, dia 25, em São Paulo, pelo coronel Reynaldo Simões Rossi. golpeado por trás por um homem que usou uma chapa de aço e lhe quebrou a clavícula. Mesmo ferido, o coronel Rossi alertou seus oficiais para que não deixassem a "tropa perder a cabeça" diante da agressão. O episódio encerra a lição fundamental de que esses bandos mascarados que infestam as grandes cidades brasileiras não negociam. Eles nada têm a oferecer. Não têm reivindicações que possam ser atendidas. Querem apenas destruir, agredir, aterrorizar e depois assistir a seus próprios atos em vídeos postados na internet.

Eles podem nem saber, mas são herdeiros históricos do braço criminoso dos anarquistas. De origem nobre na Grécia clássica, com uma passagem confusa pela obra do inglês William Godwin no século XIX. o anarquismo justificou atos terroristas e assassinatos na Europa e nos Estados Unidos. Entre suas vítimas fatais estão dois presidentes, o francês Marie-François-Sadi Camot e o americano William McKinley, e um rei, Umberto I, da Itália. No mundo ideal do anarquismo não há lugar para governo, hierarquia, religião, muito menos para escolas, universidades, centros de pesquisa ou empresas. O cineasta espanhol Luis Bunuel narra em autobiografia um episódio revelador do vácuo filosófico do anarquismo, com que ele simpatizou por um tempo na adolescência. Bunuel conta que o jornal anarquista El Motín descreveu assim o episódio em que militantes espancaram religiosos quase até a morte, feriram outras pessoas e quebraram vidraças em Madri: "Na tarde de ontem um grupo de operários descia calmamente a Rua Montera quando dois padres que estavam do lado oposto da ma vieram na direção deles. Diante de tal provocação...". Os anarquistas daquele tempo pelo menos não escondiam o rosto. Os de hoje são mascarados e consideram provocação a mera existência de pessoas que não pensam de acordo com eles.

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