CORREIO BRAZILIENSE - 04/11
A cultura da violência está plasmada no cotidiano da população, associada ao simpático "jeitinho", quase sempre sinônimo de iniquidades e privilégios
Jovens são, por sua natureza, rebeldes. Acreditam que podem mudar o mundo e não têm rabo preso com ninguém. São transgressores, principalmente em relação aos costumes. Desde junho, a insatisfação da juventude está nas ruas e não arrefecerá tão cedo, na melhor das hipóteses somente após as eleições de 2014. Porém, outra questão emergiu com a rebeldia: a violência como forma de ação política, que virou marca registrada das manifestações de protestos que ocorrem por todo o país. Tanto que a presidente Dilma Rousseff decidiu sair da zona de conforto, abandonar certa benevolência com os protestos e combater as organizações que praticam atos de vandalismo. Quando a violência política causa prejuízos ao patrimônio público e agride a propriedade privada, a mão pesada do estado, que detém o monopólio legal do uso da força, entra em ação.
Grupos de jovens mascarados, organizados pela internet, principalmente os black blocs, não são um fenômeno local e ocasional. O movimento se espalhou pelo mundo inteiro, é um problema com o qual os regimes democráticos são obrigados a conviver. Despertam a simpatia de jovens adolescentes, uma febre entre estudantes secundaristas de nossas cidades, inclusive do interior. Ao contrário dos Anonymous, organização mais sofisticada, o black bloc nem sequer se considera uma organização. Forma grupos autônomos, que se comunicam pela internet e se infiltram nas manifestações, a pretexto de defender os seus participantes da violência policial. Crentes de que estão na vanguarda das mudanças anticapitalistas, são portadores de velhas ideologias e novas teorias pseudorrevolucionárias; contam com certa simpatia de intelectuais progressistas e velhos militantes de esquerda, mas suas ações violentas acabam por prejudicar e esvaziar movimentos democráticos legítimos.
Esse diagnóstico seria suficiente para que as forças de segurança identificassem os responsáveis pelo vandalismo e impedissem sua ação predadora. Mas o problema é complexo. No Brasil, a violência é a “banalização do mal”, para usar a expressão de Hannah Arendt, popularizada pelo filme sobre o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. A filósofa judia-alemã escreveu muito sobre a condição humana e as raízes do totalitarismo. Quando houve o plebiscito do desarmamento, as forças políticas e instituições democráticas do país apoiaram a campanha para a proibição da venda de armas; a chamada “bancada da bala” ficou isolada. Mas o povo disse “não” ao desarmamento. A maioria quis preservar o direito de se defender pelos próprios meios, não confia na polícia. O cotidiano da população é violento e as forças de segurança também são protagonistas dessa violência. Vimos isso no caso do pedreiro Amarildo, torturado até a morte por policiais de uma “unidade de pacificação” da Rocinha, no Rio de Janeiro. E também na morte do adolescente Douglas Rodrigues, de 17 anos, na periferia de São Paulo, vítima de um “descuido” do policial que o abordou. “Por que o senhor atirou em mim?”, foram suas últimas palavras, as mesmas que intitulam a coluna.
A cultura da violência está plasmada no cotidiano da população, associada ao simpático “jeitinho”, quase sempre sinônimo de iniquidades e privilégios. O povo está desassistido devido a políticas públicas dominadas por grandes interesses econômicos, seja na educação seja na saúde ou na própria segurança pública. A grande síntese dessa violência são as milícias e os negócios que elas protegem nas favelas e periferias. É sinuosa a fronteira entre o bem e o mal, entre o policial e o bandido; às vezes, nem sequer existe. As manifestações dos jovens estão desnudando o outro lado do anacronismo do nosso sistema de segurança pública. A truculência policial indiscriminada é a demonstração de falta de adestramento e de foco na solução do problema. O simples endurecimento da legislação, que atenta contra direitos e garantias individuais, também não resolve a questão. O despreparo de nossas polícias para lidar com o vandalismo nas manifestações de protestos dos jovens de classe média é o mesmo que caracteriza suas ações contra jovens suspeitos apenas por serem negros, mulatos e pardos, durante a perseguição a bandidos. A diferença é que usa balas de borracha.
Sargento de milícias
Velhos métodos e práticas policiais sobrevivem desde os tempos de Leonardo Pataca, o anti-herói de Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um sargento de milícias (Editora Ática). Folhetim publicado em 1852-53, conta a história de um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. O major Vidigal, outro protagonista da história, realmente existiu. Temido e respeitado, era policial e juiz ao mesmo tempo, como se julgou o major Edson Raimundo dos Santos, que comandava a UPP da Rocinha e condenou à morte o pedreiro Amarildo. Quanta diferença para o coronel Reinaldo Simões Rossi, da PM de São Paulo, que manteve a disciplina da tropa sob seu comando, apesar de agredido por manifestantes mascarados.
Jovens são, por sua natureza, rebeldes. Acreditam que podem mudar o mundo e não têm rabo preso com ninguém. São transgressores, principalmente em relação aos costumes. Desde junho, a insatisfação da juventude está nas ruas e não arrefecerá tão cedo, na melhor das hipóteses somente após as eleições de 2014. Porém, outra questão emergiu com a rebeldia: a violência como forma de ação política, que virou marca registrada das manifestações de protestos que ocorrem por todo o país. Tanto que a presidente Dilma Rousseff decidiu sair da zona de conforto, abandonar certa benevolência com os protestos e combater as organizações que praticam atos de vandalismo. Quando a violência política causa prejuízos ao patrimônio público e agride a propriedade privada, a mão pesada do estado, que detém o monopólio legal do uso da força, entra em ação.
Grupos de jovens mascarados, organizados pela internet, principalmente os black blocs, não são um fenômeno local e ocasional. O movimento se espalhou pelo mundo inteiro, é um problema com o qual os regimes democráticos são obrigados a conviver. Despertam a simpatia de jovens adolescentes, uma febre entre estudantes secundaristas de nossas cidades, inclusive do interior. Ao contrário dos Anonymous, organização mais sofisticada, o black bloc nem sequer se considera uma organização. Forma grupos autônomos, que se comunicam pela internet e se infiltram nas manifestações, a pretexto de defender os seus participantes da violência policial. Crentes de que estão na vanguarda das mudanças anticapitalistas, são portadores de velhas ideologias e novas teorias pseudorrevolucionárias; contam com certa simpatia de intelectuais progressistas e velhos militantes de esquerda, mas suas ações violentas acabam por prejudicar e esvaziar movimentos democráticos legítimos.
Esse diagnóstico seria suficiente para que as forças de segurança identificassem os responsáveis pelo vandalismo e impedissem sua ação predadora. Mas o problema é complexo. No Brasil, a violência é a “banalização do mal”, para usar a expressão de Hannah Arendt, popularizada pelo filme sobre o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. A filósofa judia-alemã escreveu muito sobre a condição humana e as raízes do totalitarismo. Quando houve o plebiscito do desarmamento, as forças políticas e instituições democráticas do país apoiaram a campanha para a proibição da venda de armas; a chamada “bancada da bala” ficou isolada. Mas o povo disse “não” ao desarmamento. A maioria quis preservar o direito de se defender pelos próprios meios, não confia na polícia. O cotidiano da população é violento e as forças de segurança também são protagonistas dessa violência. Vimos isso no caso do pedreiro Amarildo, torturado até a morte por policiais de uma “unidade de pacificação” da Rocinha, no Rio de Janeiro. E também na morte do adolescente Douglas Rodrigues, de 17 anos, na periferia de São Paulo, vítima de um “descuido” do policial que o abordou. “Por que o senhor atirou em mim?”, foram suas últimas palavras, as mesmas que intitulam a coluna.
A cultura da violência está plasmada no cotidiano da população, associada ao simpático “jeitinho”, quase sempre sinônimo de iniquidades e privilégios. O povo está desassistido devido a políticas públicas dominadas por grandes interesses econômicos, seja na educação seja na saúde ou na própria segurança pública. A grande síntese dessa violência são as milícias e os negócios que elas protegem nas favelas e periferias. É sinuosa a fronteira entre o bem e o mal, entre o policial e o bandido; às vezes, nem sequer existe. As manifestações dos jovens estão desnudando o outro lado do anacronismo do nosso sistema de segurança pública. A truculência policial indiscriminada é a demonstração de falta de adestramento e de foco na solução do problema. O simples endurecimento da legislação, que atenta contra direitos e garantias individuais, também não resolve a questão. O despreparo de nossas polícias para lidar com o vandalismo nas manifestações de protestos dos jovens de classe média é o mesmo que caracteriza suas ações contra jovens suspeitos apenas por serem negros, mulatos e pardos, durante a perseguição a bandidos. A diferença é que usa balas de borracha.
Sargento de milícias
Velhos métodos e práticas policiais sobrevivem desde os tempos de Leonardo Pataca, o anti-herói de Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um sargento de milícias (Editora Ática). Folhetim publicado em 1852-53, conta a história de um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. O major Vidigal, outro protagonista da história, realmente existiu. Temido e respeitado, era policial e juiz ao mesmo tempo, como se julgou o major Edson Raimundo dos Santos, que comandava a UPP da Rocinha e condenou à morte o pedreiro Amarildo. Quanta diferença para o coronel Reinaldo Simões Rossi, da PM de São Paulo, que manteve a disciplina da tropa sob seu comando, apesar de agredido por manifestantes mascarados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário