domingo, 17 de novembro de 2013

A teologia feita por mulheres a partir de sua feminilidade - LEONARDO BOFF

Author: Carlos Newton 
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Leonardo Boff
O papa Francisco tem dito que precisamos de uma teologia mais profunda acerca da mulher e de sua missão no mundo e na Igreja. É certo, mas ele não pode desconhecer que hoje existe vasta literatura teológica feita por mulheres na perspectiva das mulheres da melhor qualidade. Eu mesmo tenho me dedicado intensamente ao tema, culminando com os livros “O Rosto Materno de Deus” (1989) e “Feminino-Masculino” (2010), junto com a feminista Rosemarie Muraro.
Entre tantas atuais, resolvi trazer ao presente duas grandes teólogas do passado: santa Hildegarda de Bingen (1098-1179) e santa Juliana de Norwich (1342-1416). Hildegarda vem sendo considerada, quiçá, a primeira feminista dentro da Igreja. Foi uma mulher genial e extraordinária para o seu tempo e para todos os tempos. Monja beneditina, exerceu a função de mestra (abadessa) de seu convento de Rupertsberg de Bingen, no Reno; foi profetisa (profetessa germanica), mística, teóloga, inflamada pregadora, compositora, poetisa, naturalista, médica informal e escritora. Seus biógrafos e estudiosos consideram um mistério o fato de essa mulher, no estreito e machista mundo medieval, ter sido o que foi.
Hildegarda foi, acima de tudo, uma mulher dotada de visões divinas. Num relato autobiográfico diz: “Quando tinha 42 anos e 7 meses, os céus se abriram e uma luz ofuscante de excepcional fulgor fluiu para dentro de meu cérebro. E então ela incendiou todo o meu coração e peito como uma chama, não queimando, mas aquecendo… e subitamente entendi o significado das exposições dos livros, ou seja, dos Salmos, dos Evangelhos e dos outros livros católicos do Velho e Novo Testamentos”.
É um mistério como tinha conhecimentos de cosmologia, de plantas medicinais, da física dos corpos e da história da humanidade. A monja desenvolveu uma imagem humanizadora de Deus, pois Ele rege o universo com poder e suavidade (mit Macht und Milde), acompanhando todos os seres com sua mão cuidadosa e seu olhar amoroso. Hildegarda ficou especialmente conhecida pelos métodos medicinais seguidos na Áustria e na Alemanha por médicos até os dias de hoje.
Outra notável mulher foi Juliana de Norwich (1342-1416), da Inglaterra. Pouco se sabe sobre sua vida. O certo é que viveu todo o tempo reclusa numa parte murada da Igreja de São Julião. Ao completar 30 anos, teve uma grave enfermidade que quase a levou à morte. Em dado momento, durante cinco horas, teve 20 visões de Jesus Cristo. Escreveu imediatamente um resumo de suas visões. Depois de 20 anos, tendo refletido longamente sobre seu significado, escreveu uma versão longa e definitiva sob o título “Revelations of Divine Love” (“Revelações do Amor Divino”, Londres, 1952).
Suas revelações são surpreendentes, pois vêm perpassadas por um inarredável otimismo, nascido do amor de Deus. Para ela, o amor é sobretudo alegria e compaixão. Não entende as doenças, como era crença popular na época, e ainda hoje, em alguns grupos, como castigos de Deus. Para ela, as doenças e pestes são, sim, oportunidades para encontrar Deus.
O pecado é visto como uma espécie de pedagogia pela qual Deus nos obriga a conhecer a nós mesmos e a buscar Sua misericórdia. Diz mais: atrás daquilo que falamos de inferno, existe uma realidade maior, sempre vitoriosa, que é o amor e a misericórdia de Deus. Pelo fato de Jesus ser misericordioso e compassivo, ele é nossa querida Mãe. Deus mesmo é Pai misericordioso e Mãe de infinita bondade.
Somente uma mulher poderia usar essa linguagem de amorosidade e compaixão e chamar Deus de Mãe de infinita bondade. Assim, vemos uma vez mais como a voz feminina é importante para haver uma concepção não patriarcal e por isso mais completa de Deus e do Espírito que perpassa toda a vida e o universo.

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