sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cartas de Seattle: Brasilidade expatriada, por Melissa de Andrade


Quando me diziam que os americanos eram preconceituosos com quem não nasceu nos Estados Unidos, que me tratariam como “menor” por eu ser latina e que eu não conseguiria me integrar por ser estrangeira, eu respondia com desdém e me preparava para não começar a nova vida no exterior carregada com os estereótipos da cabeça de outras pessoas.
Sabe para que eu não estava preparada? Para descobrir que muitos brasileiros é que são preconceituosos com outros brasileiros que resolveram morar no exterior. Que uns me chamariam de deslumbrada quando eu elogiasse algo do país novo, me acusariam de ter virado americanizada e me mandariam “honrar minhas raízes”. E que outros me chamariam de ingrata quando eu achasse alguma coisa ruim, me repreenderiam por criticar “o país que fez o favor de me acolher” e me mandariam ir embora se não estou gostando.
Uns e outros partem de princípios equivocados. Elogiar outro país não é necessariamente uma crítica implícita ao Brasil. Gostar de outro país não exclui gostar do Brasil. Escolher outro país para morar não significa aprovar 100% do que existe lá.
E, talvez mais importante, o sentimento de pertencer a um lugar não é determinado pela certidão de nascimento. Nem pela etnia. Nem pelo sotaque. Nem pelos anos fincados naquele lugar.

Foto: Roger Ward @CC

Numa cidade internacional como Seattle, que atrai gente de tantos países, tenho encontrado pessoas que dividiram a vida em cidades bem diferentes das cidades onde nasceram. Ou então pularam de cidade em cidade – não raro de país em país – por necessidade, aventura, estudo, trabalho, genealogia, ansiedade, sede de viver. Cada uma delas tem uma história de adaptação e de ajustamento. Cada uma delas se sentiu mais ou menos parte do lugar onde estava vivendo, dependendo de um monte de variáveis que inclui a fase da vida de cada um.
Pertencer tem a ver com integração. Com cultura, trabalho, referências, contexto, relacionamentos. Olhar ao redor e se sentir familiarizado. Confortável. Inteiro. Pertencemos aonde escolhemos viver a partir do momento em que nos sentimos inseridos no contexto.
Não sei se isso é papo de deslumbrada ou de ingrata, mas sei que a conversa vai longe. Ainda bem que esta é só a Carta de Seattle de número 100.

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Conteúdo e de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

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