DO ENVIADO À FAIXA DE GAZA
O cabeleireiro Adnam Barakat, 47, se senta na frente de seu salão, em Gaza. Por 30 anos, ele esteve com tesoura e pente em mãos, pronto para cortar o cabelo de suas clientes. Hoje, tem de esperar do lado de fora. Não pode ter contato com as mulheres.
Sentado no meio-fio, ele é uma testemunha do sorrateiro processo de islamização que, apesar de negado pelo regime do Hamas, tem alterado o cotidiano dos moradores desse estreito de terra.
Após ser pressionado pela polícia, Barakat diz ter assinado um documento concordando em não cortar o cabelo de mulheres. Para não fechar, contratou duas funcionárias, que tomaram seu lugar. Ele só entra no próprio salão para fazer a limpeza.
"Eu sou religioso", afirma, mostrando o tapete em que faz orações na direção de Meca. "Maomé pode ter dito para não tocarmos no cabelo das mulheres, mas agora nós estamos no século 21", diz.
Há uma série de casos como o de Barakat, em que normas de conduta são impostas a moradores de Gaza. Recentemente, garotos foram obrigados a raspar o cabelo, de acordo com grupos de defesa dos direitos humanos.
A facção extremista, que controla Gaza, nega impor seus valores. O porta-voz Tahar al-Nounou diz que, no caso dos cortes de cabelo, a imposição vem de grupos armados, e não do regime. "Ao sabermos, nós os impedimos."
Quanto à separação de meninos e meninas na escola, o porta-voz afirma que é uma característica cultural anterior à chegada do Hamas.
"A maioria da população é islâmica. Se você olhar as mulheres nas ruas, verá que a maioria cobre o cabelo, e não só as [filiadas ao] Hamas."
CABELO
Há poucas mulheres desveladas em Gaza --mas, em alguns casos, a escolha envolve riscos. Entre elas, a cristã Nuha al-Sury, 28, que abandonou o véu, apesar de já ter sido humilhada nas ruas.
"Não posso exercitar a vida. Se preciso ir ao mercado, o motorista tem que me levar e esperar do lado de fora", diz Sury. Mas em casa ela mantém seus costumes. Questionada se fuma narguilé, apesar da censura dos conservadores, ela franze o cenho como quem diz "sim, todo dia".
Moradores ouvidos pela reportagem concordam que, apesar de o estreito ter tradições islâmicas, a imposição de valores se intensificou nos últimos anos, acompanhando a chegada do Hamas ao poder de fato, em 2007.
É um processo lento e, segundo ativistas, feito por meio de grupos extremistas ligados ao regime, mas não diretamente pelo partido.
O modo de resistir, afirma Taghrid Juma, diretora de um grupo feminista, é discutir e enfrentar as medidas de islamização. "Quem tiver medo será controlado", diz ela.
Samah Ahmad, 32, afirma ter deixado véu e vestido de lado e aderido ao jeans como protesto. Diz ter sido presa e agredida em manifestação. Vai desistir? Diante do Parlamento ("meu lugar preferido", ironiza), afirma que não. "Acredito na vida e em que posso ter tudo que quero."
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