30/01/2013
Laurence Bittencourt
É comum dizer que a história é escrita pelos vencedores, uma visão conservadora, certamente, mas que, aos poucos, e isso em quase todas as áreas do conhecimento humano vem sendo questionada através de pesquisas consistentes e novos fatos. Devemos isso sem duvida a democracia e as liberdades civis.
No âmbito da história das religiões, por exemplo, muitas certezas já foram postas em questão com relação às fontes que deram origem ao cristianismo nascente, em especial a partir das descobertas em 1945 dos textos encontrados em Nag Hammadi.
Ora, a primeira questão que se pode levantar é que do ponto de vista da historiografia oficial a exclusão de outras versões ou textos significa, no mínimo, a existência de novas versões que justamente por serem opostas ao pensamento oficial foram radicalmente banidas, rejeitadas, sufocadas, excluídas e condenadas. Tidas como heréticas.
Mas a pergunta que se deve fazer nesses casos é: por que o banimento de versões diferentes da oficial? Por que outros escritos e pensamentos foram excluídos e proibidos e tidos como “heresia”? O que os tornou perigosos? Esse tipo de questionamento vale muito (e cada vez mais) para confrontarmos o pensamento e o conhecimento Ocidental.
Hoje sabemos que os chamados Evangelhos Gnósticos circulavam com força intensa durante os primeiros séculos após a morte de Jesus de Nazaré, mas que foram violentamente combatidos e excluídos. Por quê? Que incômodo eles causavam?
Sabemos desse incômodo a partir da descoberta dos 52 textos em Nag Hammadi. Neste sentido recomendo a leitura do livro da historiadora Elaine Pagels intitulado “Os evangelhos gnósticos”. Hoje tem se tornado entre eruditos um campo de pesquisa dos mais férteis e interessantes em todo o mundo.
Claro que a raiz principal do cristianismo continua sendo o judaísmo. Jesus (Yeshua) era judeu, e o que irá se constituir como cristianismo continua sendo uma clara dissidência do judaísmo, amparada em 325 d. C., pelo império romano através do imperador Constantino.
Mas a idéia de exclusão e de excomunhão sempre esteve presente na história do pensamento humano. Basta pensarmos, em outra direção, nos nomes de Spinoza e Karl Marx que sofreram horrores por suas idéias contrárias ao pensamento dominante e oficial. Aliás, ambos judeus (que povo formidável, ainda que sujeito a discordâncias). Cada um em sua linha de entendimento e interesse causaram abalos junto ao pensamento oficial.
E ainda que a vida e as idéias de Marx sejam interessantes, e bem mais conhecidas, o legado e a vida de Spinoza me parece extremamente fascinante. Em seu livro gigantesco “Ética” ele cria uma linha de raciocínio sobre Deus que terminou levando-o a ser excomungado primeiro pelos judeus e depois pelo cristianismo.
Spinoza nasceu em 1632, século XVII. Seu pensamento difícil postula uma idéia de Deus como uma totalidade presente em cada coisa (pedra, água, planta, árvore) que incomodou profundamente a teologia dominante. Cito um pequeno trecho de sua obra em que o próprio Deus se dirige aos fieis, para se ter idéia do incomodo terrível que causou: “Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Ai é onde Eu vivo e ai expresso meu amor por ti” .
Não é à toa que quando perguntaram ao físico Albert Einstein (outro judeu) se acreditava em Deus ele respondeu: “meu Deus é o Deus de Spinoza”. Mas ai já estávamos em outra época.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br
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