terça-feira, 18 de dezembro de 2012

OBRA-PRIMA DO DIA - GRAVURAS Francisco de Goya: a figura das 'celestinas'


Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa - 
18.12.2012
 | 12h00m

(continuação de ontem) Desde que Carlos III de Espanha asumiu o trono (1759) seu papel consiste em evitar guerras, conservar a unidade do país dentro de suas fronteiras geográficas e espirituais e controlar uma população composta em sua maioria por camponeses. Seu reinado esclarecido dá início a um soerguimento da Espanha no plano econômico e político.
Quando Gaspar Melchior Jovellanos é nomeado ministro da Justiça, Goya se sente protegido e em 1797 começa a desenhar e gravar 'Os Caprichos'.
Goya sabe traduzir todas as nuances, do cinza ao negro profundo, passando da sombra à luz com grande equilíbrio. Para acompanhar suas intenções ele sabe ordenar o claro e o escuro e realizar um conjunto que é apreciado por suas qualidades técnicas tanto quanto pela sátira contundente, e confirma então que já se tornara um mestre na arte da gravura.
Em 17 de janeiro de 1799 Goya assina um recibo pela venda ao duque e à duquesa d’Osuna, aristocratas mecenas do pintor e que figuram entre as mentes mais esclarecidas da Espanha, de quatro exemplares da coleção de gravuras 'Os Caprichos'.
Em 6 de fevereiro do mesmo ano o Diario de Madri anuncia o lançamento de uma 'Coleção de estampas sobre assuntos caprichosos, inventados e executados em água-forte por Don Francisco de Goya'.
O anúncio menciona também que a coletânea está á venda, curiosamente, numa loja de perfumes e bebidas, no nº 1 da Calle del Desengaño (rua da Desilusão...) por 320 reais cada coleção.
Em um texto complementar Goya explica seu trabalho afirmando que a pintura, assim como a poesia, é um excelente meio para censurar 'os errros e vícios humanos'.
Entre os temas abordados por Goya, um dos mais numerosos e mais autobiográficos é o dedicado à sátira erótica. Sua amarga desilusão amorosa com a Duquesa de Alba está registrada em várias estampas onde ele critica a inconstância da mulher no amor e sua impiedade com os amantes.
A feminilidade é a isca com a qual a dama seduz sem comprometer seu coração. Como contraponto, em segundo plano, aparece quase sempre a confidente e guia dos amores femininos, a velha ‘celestina‘.
Segundo Jean-Louis Augé, conservador principal do Museu Goya, 2006 
(resumo e tradução mhrrs) 
A continuar

Bem esticada está. Capricho nº17
 
A jovem calça as meias observada pela velha sentada, uma alcagueta grotesca que não é nada boba. Sabe que para pisar bem é preciso que as meias não incomodem. Para uma rameira bater pernas nas ruas é vital, assim como exibir pernas belas e fortes. E com as meias esticadas...
Reparem na expressão da 'celestina' no detalhe acima. (Celestina é personagem de um livro todo em diálogos, de Fernando de Rojas, escrito em 1499. É tido como o livro que na Espanha encerra a literatura medieval e dá início à renascentista. Celestina virou sinônimo de alcagueta. Já falamos nela aqui, num post sobre Picasso. Recomendo que usem o link. É interessante). 

Reza por ela. Caprichos nº 31
(detalhe)

Em Reza por mim a 'celestina' ao mesmo tempo que reza (tem um terço nas mãos) ensina algumas coisas à jovem rameira.
As legendas para as estampas de Os Caprichos dependem de quem as detám. No Museu do Prado encontramos as mais singelas, que são tidas como do próprio autor... Mas na Biblioteca Nacional estão umas mais de acordo com Goya e seu tempo. (Isso requer umas explicações que ainda publicaremos aqui).
Na gravura 31, por exemplo, a legenda no Prado informa que a velha reza pela jovem para que ela fique sempre livre de cirurgiões e policiais e que seja sempre tão esperta e despachada quanto sua mãe que está no céu...
Já a da Biblioteca Nacional diz que a 'celestina' reza para que a rameira tenha sorte, ganhe muito dinheiro e que para isso se livre de doenças e de encrencas com a polícia.

Bien tirada está,  Los Caprichosnº17, 1799, aquatinta e ponta seca, 21.5 x 15.1
Ruega por Ella, Los Caprichos nº 31, 1799, aquatinta polida e ponta seca, 20.5 x 15.0

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